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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

OS ANARQUISTAS NAS OCUPAÇÕES DE FÁBRICAS NA ITALIA

Ao final da primeira guerra mundial ocorreu uma radicalização massiva em toda Europa e no resto do mundo. Houve uma explosão de afiliações nos sindicatos, greves, manifestações e toda classe de agitação alcançaram grandes níveis. Isto se deveu em parte à guerra, em parte ao aparente êxito da revolução russa. Através da Europa, as idéias anarquistas se tornaram mais populares e as uniões anarco-sindicalistas aumentaram de tamanho. Na Gran Bretanha, por exemplo, se produziu o movimento das ligas sindicais e as greves de Clydeside, na Alemanha o auge do sindicalismo industrial, e na Espanha um grande crescimento na anarco-sindicalista CNT. Desafortunadamente, também houve grande crescimento nos partidos democrata-social e comunista.
Em agosto de 1920, houveram greves de ocupação de fábricas na Itália, como resposta aos baixos salários e ao endurecimento patronal. Estas greves começaram nas fábricas de engenharia e imediatamente se estenderam às ferrovias, transportes rodoviários, e outras industrias, e os camponeses tomaram a terra. Os grevistas, contudo, fizeram algo mais que ocupar os locais de trabalho, puseram parte deles em regime de autogestão. Dalí a pouco 500 mil grevistas estavam trabalhando, produzindo para eles mesmos. Errico Malatesta, que tomou parte nestes êxitos, 
escreveu:
"os trabalhadores concluíram que o momento estava maduro para a tomada de uma vez por todas dos meios de produção. Se armaram para sua própria defesa ... e começaram a organizar a produção por sua própria conta ... O direito de propriedade foi de fato abolido .. era um novo regime, uma nova forma de vida social que surgia. E o governo ficou à parte ao sentir-se impotente para oferecer oposição." [Vida e Idéias p.134].
Durante esta época a Union Sindicalista Italiana (USI) cresceu até chegar a quase um milhão de membros e a influencia da Union Anarquista Italiana (UAI) com seus 20 mil membros cresceu em proporção. Segundo nos conta o repórter marxista galês Gwyn A. Williams "os anarquistas e os sindicalistas revolucionários constituíam o grupo mais revolucionário da esquerda ... O traço mais saliente na história do anarquismo e sindicalismo em 1919-1920 foi o rápido crescimento ... Os sindicalistas sobretudo captaram a opinião da classe obreira militante que o movimento socialista inutilmente tratava de captar." [Proletarian Order, pp. 194-195].
Daniel Guerin dá um bom resumo da extensão do movimento, "a direção das fábricas ... se efetuava por meio de comitês de trabalhadores técnicos e administrativos. A autogestão se expandiu ... A autogestão emitiu seu próprio dinheiro ... Se requeria estrita auto-disciplina ... [e] uma estreita solidariedade se estabeleceu entre as fábricas ... [onde] as minas e o carvão se colocavam em um fundo comum e se repartiam eqüitativamente" [Anarchism, p.109].
Sobre as fábricas ocupadas tremulava "um bosque de bandeiras negras e vermelhas" posto que "o conselho do movimento de Turin era essencialmente anarcosindicalista" [Williams, op. cit., p.241, p.193]. Os trabalhadores ferroviários se negaram a transportar tropas, os trabalhadores entraram em greve contra as consignas das associações reformistas e os camponeses ocuparam a terra. Tais atividades eram "já diretamente guiadas ou indiretamente inspiradas pelos anarco-sindicalistas" [ibid., p. 193]
Não obstante, depois de quatro semanas de ocupação os trabalhadores decidiram abandonar as fábricas. Isto devido à atuação do partido socialista e aos sindicatos reformistas. Se opuseram ao movimento e negociaram com o estado por uma volta à "normalidade" em troca da promessa de aumentar legalmente o controle pelos trabalhadores, em associação com os chefes. Esta promessa não se manteve. A falta de organizações inter-fábrica independentes fez que os trabalhadores dependessem dos burocratas dos sindicatos para obter informações sobre o que se passava em 
outras cidades, e usaram esse poder para isolar as fábricas e as cidades entre si. Isto desembocou em uma volta ao trabalho, "apesar da oposição de anarquistas individualmente dispersos por todas as fábricas" [Malatesta, op. cit., p.136]. A confederação local de uniões sindicais não podia proporcionar a infra-estrutura necessaria para um movimento de ocupação totalmente coordenado, posto que os sindicatos reformistas se negavam a colaborar com elas; embora os anarquistas constituíssem uma grande maioria, se viram impedidos por uma minoria reformista.
Este período da historia italiana explica o crescimento do fascismo na Itália. Como indica Tobias Abse, "o auge do fascismo na Itália não pode desprender-se dos sucessos do biênio vermelho, os dois anos vermelhos de 1919 e 1920, que lhe precederam. O fascismo foi uma prevenção contra-revolucionária ... lançado como resultado da fracassada revolução" ["The Rise of Fascism in an Industrial City" p. 54, en Rethinking Italian Fascism, pp.52-81].
Durante a época da ocupação das fábricas Malatesta sustentou que "Se não a levarmos até ao final, pagaremos com lágrimas de sangue pelo medo que agora provocamos na burguesia". Sucessos posteriores o confirmaram, quando os capitalistas e os ricos donos da terra apoiaram aos fascistas para ensinar à classe trabalhadora qual era seu lugar. Todavia, inclusive nos mais obscuros dias do terror fascista, os anarquistas resistiram às forças do totalitarismo. "Não é casualidade que a mais forte resistência da classe trabalhadora ao fascismo ocorreu em ... os povos e cidades em que havia uma forte tradição anarquista, sindicalista ou anarco-sindicalista" [Tobias Abse, Op. Cit., p.56].
Os anarquistas participaram, e muitas vezes organizaram seções do Arditi del Popolo, uma organização operária dedicada à auto defesa dos interesses dos trabalhadores. Os Arditi del Popolo organizaram e alentaram a resistência operaria aos esquadrões fascistas, derrotando muitas vezes contingentes superiores em numero de fascistas. Os Arditi foram os maiores defensores de uma frente operária unida, revolucionaria contra o fascismo na Itália, como sugeriu Malatesta e a UAI. Sem embargo, os partidos socialista e comunista se retiraram da organização, os socialistas firmando um "Pacto de Pacificação" com os fascistas. Os líderes dos socialistas autoritários preferiram a derrota e o fascismo ao risco de que seus seguidores se "infetassem" de anarquismo.
Inclusive depois da criação do estado fascista, os anarquistas ofereceram resistência dentro e fora da Itália. Muitos italianos, anarquistas e não anarquistas, viajaram à Espanha para resistir a Franco em 1936. Durante a segunda guerra mundial, os anarquistas jogaram um papel importante no movimento partisano italiano. O fato do movimento antifascista estar dominado por elementos anticapitalistas levou os EEUU e o Reino Unido a colocar conhecidos fascistas em posições governamentais nas localidades que "libertavam" (muitas delas já haviam sido tomadas pelos partisanos, resultando que as tropas aliadas "libertavam" o povo de seus próprios habitantes!).
Não é de surpreender que os anarquistas fossem os mais consistentes e triunfantes opositores ao fascismo. Os dois movimentos não poderiam estar mais aparte, o primeiro pelo estatismo totalitário a serviço do capitalismo enquanto que o outro era por uma sociedade livre, não-capitalista. Nem tampouco surpreende que quando seus privilégios e poder estavam em perigo, os capitalistas e os donos da terra se voltavam ao fascismo para que os salvasse. Este processo é muito comum na historia (tres exemplos, Italia, Alemanha e Chile).
O ANARQUISMO E A REVOLUÇÃO ESPANHOLA
Nos anos 30 a Espanha tinha o maior movimento anarquista do mundo. Ao começo da guerra "civil" espanhola, mais de um milhão e meio de trabalhadores e camponeses eram membros da CNT (Confederação Nacional do Trabalho), federação de uniões anarcosindicalistas, e 30 mil eram membros da FAI (Federação Anarquista Ibérica). A população total da Espanha era então de 24 milhões.
A revolução social que se contrapôs ao golpe fascista em 18 de Julho de 1936 é o maior experimento do socialismo libertário feito até hoje. Naquela ocasião a última união sindicalista de massas, a CNT, não apenas rechaçou o levante fascista como fomentou amplamente a ocupação de terras e fábricas. Mais de sete milhões de pessoas, inclusive cerca de dois milhões de membros da CNT, puseram a autogestão em prática nas mais difíceis circunstancias e de fato melhoraram as 
condições de trabalho e a produção.
Durante os excitantes dias que se seguiram ao 19 de Julho, a iniciativa e o poder estavam verdadeiramente nas mãos dos membros da CNT e da FAI. Foi o povo comum, sem dúvida, sob a influencia dos faístas (membros da FAI) e dos militantes da CNT que, depois de derrotar o levante fascista, puseram em marcha a produção, distribuição e novamente o consumo (sob termos certamente muito mais igualitários) assim como organizaram e se ofereceram como voluntários (às centenas de milhares) às milícias, que se movimentaram para libertar aquelas partes da Espanha que 
haviam caído sob Franco. De todas as maneiras possíveis a classe operaria espanhola estava criando com seus próprios atos um mundo novo baseado em suas próprias idéias de justiça social e liberdade -- idéias inspiradas, certamente, no anarquismo e no anarcosindicalismo.
A extensão completa desta histórica revolução não pode ser coberta aqui. Se discutirá mais detalhadamente na Seção I. Poremos em relevo alguns pontos de interesse especial esperando que eles dêem alguma indicação da importância destes fatos e animem as pessoas a averiguar mais sobre eles.
Toda a industria da Catalunia foi colocada sob a autogestão pelos trabalhadores ou controlada por eles (ou seja, eles assumiram totalmente todos os aspectos da direção no primeiro caso, ou no segundo, colocando a antiga direção sob seu controle). Em alguns casos, as economias dos povos e regiões inteiras se transformaram em federações de coletividades. O exemplo de Alcoy (população de 45 mil) se dá como exemplo típico:
"Tudo era controlado pelos sindicatos. Mas isso não significava que tudo era decidido por uns poucos comitês burocráticos de cima sem consultar aos membros do sindicato. Aqui se praticava a democracia libertaria. Assim como na CNT havia uma dupla estrutura recíproca; desde a base .. até acima, e por outro lado uma influencia recíproca desde a federação dessas mesmas unidades locais a todos os níveis até abaixo, desde a fonte e volta à fonte" [Gaston Leval, citado em The Anarchist Collectives, Ed. Sam Dolgoff, p.105].
Na frente social, as organizações anarquistas criaram escolas racionais, um serviço de saúde libertário, centros sociais, etc. O movimento Mujeres Libres combateu o papel tradicional da mulher na sociedade espanhola, potenciando milhares dentro e fora do movimento anarquista (ver Free Women of Spain de Martha A. Ackelsberg para mais informações sobre esta importantíssima organização). Esta atividade na frente social se baseou no trabalho iniciado muito antes do principio da guerra; por exemplo, os sindicatos muitas vezes fundavam escolas racionais, centros de trabalhadores, etc.
Na Espanha, sem dúvida, como em todas as partes, o movimento anarquista foi esmagado pelo leninismo (o partido comunista) por um lado e pelo capitalismo (Franco) por outro. Desgraçadamente, os anarquistas colocaram a unidade antifascista anterior à revolução, ajudando seus inimigos a lhes derrotarem e à revolução. Que tenham sido forçados pelas circunstancias a chegar a esta posição ou que a poderiam ter evitado é algo que ainda hoje permanece em debate.
Para mais informação sobre a revolução espanhola, recomendamos os seguintes livros: Lessons of the Spanish Revolution de Vernon Richards; Los Anarquistas en La Revolución Española de José Peirats, Free Women of Spain de Martha A. Ackelsberg; The Anarchist Collectives editado por Sam Dolgoff; "Objectivity and Liberal Scholarship" de Noam Chomsky (em The Chomsky Reader); The Anarchists of Casas Viejas de Jerome R. Mintz; e Homenaje a Catalunya de George Orwell.

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