Chega de pacifismo!

Este blog não é partidário de nenhum partido político.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

INDIVIDUALISMO À ITALIANA

O texto abaixo é uma breve apresentação da biografia do anarquista italiano Oreste Ristori que viveu durante 36 anos no Brasil. Esta biografia foi realizada como dissertação de mestrado, intitulada "Oreste Ristori. Uma aventura anarquista", para o Depto. de História do IFCH/UNICAMP.

A pesquisa histórica que fundamentou o trabalho utilizou-se de uma série intercruzada de fontes: documentos escritos, orais e visuais, reproduzidos no trabalho final. Para reconstruir a trajetória de vida do protagonista e trazer ao leitor uma aproximacão maior com o universo cultural vivido pelos personagens desta história, as imagens pesquisadas contribuíram, não somente para complementar como, em alguns casos, até substituíram a própria narrativa histórica.
Numa das sessões do Congresso Socialista realizado em 1901, G. Berti começou os trabalhos relatando as condições de vida dos trabalhadores rurais da província de Arezzo:
"Os pigionali são famílias dispensadas nem sempre justamente pelos feitores e patrões; formam cerca de 35% da população rural e representam a parte mais pobre, mais sofredora e mais embrutecida...Trabalham em média 150 dias ao ano e recebem um salário que varia segundo os lugares, a benevolência e a ganância de quem os chama...
...O mesquinho balanço destes pobres parias da terra explica muito bem qual possa ser sua qualidade de vida e o nível de moralidade e honestidade, que podem alcançar, especialmente se temos em conta que eles pagam 40 e até 50 liras ao ano pela cessão da casa quase sempre precária ou insuficiente para defendê-los dos rigores do inverno e que são obrigados a encontrar nos furtos campestres o complemento daquilo que é estritamente necessário à sua sobrevivência."
A opinião socialista sobre a moralidade daqueles "párias" não diferia muito daquela feita pelos anárquicos italianos mais conceituados. O furto era, dentro de uma vasta parcela do pensamento anarquista, como no humanismo libertário de Malatesta, uma distorção. Por demais éticos para aceitar o roubo, Malatesta e seguidores o viam como uma contradição inerente ao próprio sistema capitalista. Para eles, há roubos porque há distorções no capitalismo e estes atos são uma das evidências da necessidade de superação do sistema. Já para boa parte dos anarquistas comuns, dos militantes das vilas, das cidades, daqueles que "praticavam" quotidianamente o anarquismo, o furto era uma forma legítima de expropriação do capital burguês obtido através da mais valia. Para estes, que mesmo sem o serem aproximavam-se das idéias dos anárquicos individualistas, a expropriação era praticada num sentido coletivo de auxílio e fortalecimento da causa operária, visando a organização de reuniões, de viagens de propaganda e intercâmbio e, principalmente, financiando uma vasta parcela de opúsculos e impressos anarquistas clandestinos.
Na Itália da Segunda metade do século XIX, mesmo nos períodos de maior liberdade de expressão, as idéias socialistas revolucionárias e as anárquicas, contrárias à monarquia e à ordem burguesa constituída, sempre circularam clandestinamente não tendo um espaço oficialmente permitido de veiculação, junto aos trabalhadores. Nesse ambiente repressivo os desempregados, os trabalhadores braçais sem emprego fixo, passaram a se reunir nos bares e na osteria como extensão da praça, lá ocupando seu tempo ocioso e vislumbrando possibilidades de trabalho e sobrevivência. Entre um gole e outro de vinho circulavam as notícias sobre os últimos     acontecimentos e propagavam-se novas idéias. Para o pesquisador Monteleone, a osteria serviu como "o refúgio confidencial da solidão, uma reserva confortável e quase inesgotável de falantes e ouvintes entre os quais circulavam sentimentos e idéias, em um fecundo intercâmbio" .
Fruto de uma das periódicas crises econômicas existentes, o aumento do desemprego ocorrido no início da década de 1880 acabou trazendo outros elementos aos bares, engrossando assim o caldo humano integrante deste ambiente da "cultura da praça". São o estudante, o jornalista e o artesão empobrecido, que fechou seu negócio e perdeu seus clientes, também empobrecidos, que desceram, por necessidade, à categoria de trabalhadores diaristas, eventuais, à cata de um esporádico trabalho que viesse a surgir.
Freqüentadores dos cafés, um bar um pouco mais sofisticado, um espaço mais recente de convivência, onde liam os jornais e travavam discussões sobre a política italiana, esta pequena burguesia decadente passa a ser um outro pilar de propaganda do anarquismo, fazendo circular os periódicos do movimento e trocando informações com os ativistas proletários.
Estabeleceu-se desse modo uma ponte entre os cafés e os bares, incrementando, entre o pensamento e a ação, uma nova forma de organização política.

O extrato mais baixo do proletariado, os braccianti, em contato com um discurso teórico do socialismo, apropriou-se gradativamente das premissas teóricas anarquistas rejeitando, porém, as práticas de luta da pequena burguesia. A reação desse novo contingente anarquista reunido no bar contra a exploração de quem os dominava passou a ser sistemática: a realização de furtos campestres e o incremento dos bandos armados. Explicam-se dessa maneira as cartas ameaçadoras aos patrões, os incêndios e os atos de sabotagem como fazendo parte de uma ação coletiva coordenada e não mais somente de práticas individuais movidas pela fome e desespero. É dessa união entre as práticas isoladas adotadas pelos braccianti, com a teoria que sustenta o discurso libertário de ação direta, que surge um embrião socialista não legalitário entre estas camadas despossuídas da população.
Nesse contexto italiano da década de 1880, as tendências anarquistas dividiam-se, a grosso modo, em individualistas e associacionistas. Os primeiros, genericamente, rejeitavam toda e qualquer forma de organização política como instrumento de ação. Já os segundos entendiam como necessária a existência de uma estrutura organizativa mínima dentro da sociedade, sem que esta implicasse em relações de autoridade e hierarquia.
Na história italiana a corrente individualista de maior penetração foi a antiorganizadora. O vácuo existente nos movimentos sociais italianos no início dos anos oitenta, que somente veio a ser superado no final da década, "favoreceu a difusão de um anarquismo que primeiro instintivamente e   depois em modo mais programático racionalizava esta desorganização de fato e rejeitava qualquer forma de associação geral e permanente".

Nenhum comentário:

Postar um comentário