Chega de pacifismo!

Este blog não é partidário de nenhum partido político.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Anarco sindicalismo e a luta antifacista no Brasil

O anarco-sindicalismo é fruto da organização das classes oprimidas e exploradas, no fim do século XIX. No seio da 1ª Associação Internacional dos Trabalhadores, os antiautoritários/libertários desenvolvem conceitos chaves para o anarquismo e em sua forma sindicalista. Com a revolução industrial, se acentua a guerra de classe. De 1750 até agora, cada geração imprimiu e criou formas de luta, tanto de resistência como de repressão visando manter ou alterar a situação.
No Brasil, com o fluxo migratório, substituindo a mão de obra escrava ( fica a pergunta por que não foi usada essa mão-de-obra que já estava aqui e foram trazer mais trabalhadores da Europa?). A maior parte desses imigrantes já tinham experiência de luta e resistência obreira e as aplicaram para construir organizações trabalhadoras para defenderem sua existência e barrar a exploração sem peias do patronato.
Em 1906 a Confederação Operária Brasileira foi criada. Em menos de 15 anos já tinha estrutura o bastante para segurar greves gerais como a 1917 e 1919. O período é marcado por uma grande perseguição aos sindicalistas revolucionários, anarquistas em quase sua totalidade. Havia deportações, torturas, campos de concentração, assassinatos contra a classe trabalhadora. Seu patrimônio era constantemente saqueado pelo Estado através da polícia. Inúmeros imoveis, bens do movimento dos trabalhadores foram confiscados e tornados repartições publicas ou mesmo vendidas para se tornarem espaços comerciais. Essas perseguições têm seu ápice com a imposição da CLT em 1943, que sela um período de luta anarco-sindicalista, mas não o cala de todo. A CLT é baseada nos princípios fascistas e pretende controlar os trabalhadores de forma total.
As primeiras lutas contra o fascismo no Brasil já tinham começado ao resistirem ao autoritarismo dos governos da oligarquia café-com-leite, altamente repressores. A versão brasileira totalitária no Brasil foi representada pelo Integralismo. As características como de qualquer proposta totalitária é o corporativismo e o controle máximo da sociedade, por grupos pretensamente sabedores do que estão fazendo.
Um exemplo de luta antifascista no Brasil foi a Batalha da praça da Sé, 07 de outubro de 1934, quando uma passeata integralista foi dissolvida a bala por um movimento antifascista, na sua maioria anarquistas vinculados a FOSP (ainda neste período, a FOSP mantinha 80 sindicatos sem vínculos ao Estado, embora a repressão enorme).
O Fascismo
É um conceito totalitário gerado por Mussolini. A palavra vem do fascio: machado cercado de varas que corresponde ao poder do Estado e a unidade do povo. As características:
-Propaganda: extensiva (lavagem cerebral, manipuladora e enganadora);
-Censura: extermínio sistemático da oposição;
-Corporativismo: fragmentação dos ramos de profissão e a reordenação para controle econômico;
-Centralização: através de ideias de um Estado forte, concentra e controla a sociedade em torno da “nação”, nacionalismo acentuado, xenofobia (medo do estrangeiro).

Foi criado como grupo paramilitar para contrapor as organizações que agitam greves, paralisações e ações revolucionárias contra o capital.

No fascismo, o Estado é superior a sociedade e a ele devem obediência, veneração. Por isso a importância de culto a um líder carismático. Em resumo o fascismo é baseado no totalitarismo e se segue as características: nacionalismo, militarismo e expansionismo.

Tudo isso somado cria uma intolerância e um estado psíquico arrogante, prepotente que leva a ações extremadas, violentas contra qualquer um que se oponha, critique ou se comporte diferente do rebanho, da totalização reinante, é o fascismo comportamental que é usado de forma generalizada atualmente ao atribuirmos como adjetivo “fascista” as atitudes repressoras, ignorantes e violentas de alguém.

No Brasil, as ideias de Mussolini e Hitler foram a ceitas pela elite e por seus dirigentes. Os impactos mais marcantes foram a carta constitucional de 1937 que vinculou a formação de sindicatos a uma aprovação do Estado e a aprovação da CLT em 1943, de moldes na Carta d´Lavoro fascista. Juntas formam a mordaça fascista no país que dura até hoje. Muito atribuem a certa “liberalização” na carta de 1988, mas para o sindicalismo revolucionário, ela manteve a essência corporativa, fascista que está consolidada no meio do trabalho, que sofreu poucas alterações. O sistema sindical oficial é tripartite, é corporativo, é burocrático onde a principal luta é feita por advogados e não pelos trabalhadores. Os resultados são efêmeros se compararmos com as ações anarco-sindicais do inicio do século que conseguiram estabelecer várias garantias através da luta direta e eram sindicatos livres sem interferência do Estado e nem dos partidos políticos.

Temos 77 anos de fascismo sindical, que precisa ser questionado e rompido através de um movimento sindical legitimo revolucionário que atualmente é defendido apenas pela Confederação Operária Brasileira, que se inspira nos exemplos de luta e determinação dos fundadores de 1906. Associada a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) seguimos os seus princípios.

Atualmente há núcleos nos estados de Minas Gerais, Sergipe, Goiás, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Piauí, Espirito Santo e Amazonas na construção do comunismo libertário através de práticas anarquistas.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Anarquismo no currículo

Espalhado por sindicatos e organizações de trabalhadores, movimento contestador abriu suas próprias escolas no Brasil, com pedagogia inovadora
·         Criadores de sindicatos, instigadores de greves, contestadores do capitalismo. A partir do final do século XIX, os anarquistas marcaram presença na cena pública nacional, liderando as primeiras mobilizações operárias do Brasil. E para disseminar sua ideologia revolucionária, lançaram mão de uma arma especial: a educação.

Não poderia ser uma educação qualquer, é claro. Seus princípios contrariavam os valores burgueses e primavam pela solidariedade e pela radical liberdade do indivíduo na gestão de sua própria vida. É o que expressa a origem etimológica da palavra “anarquia” – do grego an (negação) e arquia (governo). “Aquele que botar as mãos sobre mim, para me governar, é um usurpador, um tirano. Eu o declaro meu inimigo”, resumiu o filósofo francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), um dos fundadores do anarquismo.

Os ideais do movimento político chegaram ao Brasil trazidos principalmente por imigrantes espanhóis e italianos. Organizando-se em sindicatos e federações, sua principal atuação se dava junto à nascente classe dos trabalhadores urbanos. Mas num país com 85% de analfabetos, era difícil fazer circular a propaganda anarquista nos meios populares e operários. Jornais e boletins tinham que ser lidos em voz alta para que os métodos de luta fossem apreendidos. Para ampliar a conscientização e a participação dos trabalhadores, era preciso criar espaços educativos próprios. Nas escolas anarquistas, os operários e suas proles teriam acesso ao conhecimento formal – devidamente temperado pela ideologia do movimento. Com o apoio financeiro de sindicatos e federações, elas se espalharam pelo país.
Entre 1885 e 1925, cerca de quarenta instituições de ensino anarquistas surgiram no Brasil. A primeira de que se tem notícia foi a Escola União Operária, em Porto Alegre (RS). Em Fortaleza (CE) funcionou a Escola Germinal (1906); em Campinas (SP), a Escola Livre (1908); no Rio de Janeiro, a Escola Operária 1° de Maio, e em São Paulo, as Escolas Modernas nº 1 e nº 2 (todas de 1912), entre muitas outras. Em 1904, tentou-se até uma experiência de ensino “superior” (complementar à formação dos trabalhadores), com a criação da Universidade Popular de Ensino (Livre), no Rio. Ela contava com a colaboração de vários militantes e de literatos simpatizantes do movimento, como Elísio de Carvalho, Fábio Luz, Rocha Pombo, Martins Fontes, Felisberto Freire e José Veríssimo. Mas, ao contrário das escolas, durou poucos meses.

Uma resolução do primeiro congresso da Confederação Operária Brasileira (COB), em 1906, determinava que toda associação operária deveria sustentar uma escola laica para os sócios e seus filhos. “Ninguém mais do que o próprio operário tem interesse em formar livremente a consciência dos seus filhos”, justificava o texto. O foco do ensino anarquista era a contestação do capitalismo e o fortalecimento da participação política do operariado. Tudo que, segundo eles, a educação formal impedia. A burguesia era acusada de monopolizar a instrução e o conhecimento científico por meio de “artificiosas concepções que enlouquecem os cérebros dos que freqüentam as suas escolas”, de acordo com nova resolução, no congresso seguinte, em 1913. Argumentavam que “as castas aristocráticas e a Igreja” mantinham o “povo na mais absoluta ignorância, próxima à bestialidade, para melhor explorarem-no e governarem-no”. As escolas estatais e religiosas impediam “a emancipação sentimental, intelectual, econômica e social do proletariado e da humanidade”.

Diante de um quadro educacional tão dramático, a pedagogia anarquista precisava realizar transformações profundas. O ensino científico e racional deveria atender às verdadeiras necessidades humanas e sociais: a razão natural, e não a razão artificial criada pela burguesia. No lugar da memorização que prevalecia nas escolas, propunha-se abrir espaço aos jogos e à iniciativa dos próprios alunos. Exames e concursos deveriam ser extintos, assim como qualquer tipo de prêmio ou castigo.

Eram ideias inspiradas no método racionalista, criado pelo espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1859-1909), fundador da Escola Moderna de Barcelona. Para Ferrer, a criança deve ser o centro do processo educacional e o professor tem a tarefa de problematizar a realidade, conjugando teoria e prática – esta identificada com o trabalho manual. Meninos e meninas devem estudar na mesma sala (proposta ousada para a época), assim como ricos e pobres. A educação não pode se eximir de sua responsabilidade política, conscientizando os alunos para os valores humanitários e antiestatais do anarquismo.

Mais do que pôr em xeque a pedagogia tradicional, esses princípios soavam como uma afronta ao poder constituído. As teorias de Francisco Ferrer y Guardia despertaram a ira da Igreja e do governo espanhol. Ele foi preso, e de nada adiantaram os protestos pela sua libertação: acabou fuzilado em 1909.

Os currículos das escolas anarquistas brasileiras estavam em sintonia com a proposta racionalista de Ferrer. Privilegiavam a leitura, a caligrafia, a gramática, a aritmética, a geografia, a geometria, a botânica, a geologia, a mineralogia, a física, a química, a história e o desenho. Também incluíam sessões artísticas e conferências científicas. Para além da sala de aula, os alunos participavam de eventos operários, principalmente em datas consideradas importantes pelos anarquistas, como 18 de março – data da Comuna de Paris, insurreição popular que em 1871 gerou o primeiro governo operário da história –, 1º de maio – em memória da execução dos “mártires de Chicago” (1886), operários que pediam a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias – e 13 de outubro, data do fuzilamento de Ferrer. Assim a escola aproximava alunos, famílias e sindicatos, mantendo viva a memória e a necessidade das lutas proletárias. O esforço educativo desses grupos resultou também na fundação de bibliotecas, centros de estudos, centros de cultura e grande circulação de periódicos.

Mas as greves gerais ocorridas em São Paulo e no Rio de Janeiro em 1917 e 1919, com marcante liderança anarquista, chamaram a atenção do Estado e da Igreja Católica para as ações do movimento. Os anarquistas passaram a ser vistos como ameaça e tornaram-se alvo de dura repressão: inúmeros militantes estrangeiros foram expulsos do país, suas escolas foram fechadas e os professores foram acusados de difundir a revolução social. Educadores vinculados àquelas escolas foram colocados em listas negras de industriários da época, e não conseguiram se empregar novamente. A classe dominante e os governantes criaram e divulgaram a tese segundo a qual o anarquismo era uma “planta exótica” – vinda da Europa, não teria clima favorável para se desenvolver por aqui. A estratégia era evidente: negar a luta de classes e ressaltar a suposta cordialidade e o apego à ordem do povo brasileiro.

O terceiro congresso do COB, em 1920, realizou-se sob esse clima de tensão. Mas, mesmo em um contexto complicado para o movimento operário brasileiro, a educação anarquista continuava em pauta. “O III Congresso Operário, tratando das escolas proletárias e tomando conhecimento da inominável violência do governo paulista que encerrou arbitrariamente as Escolas Modernas, quando esse mesmo governo tolera e até mesmo protege as escolas reacionárias, associa-se ao movimento de protesto do operariado contra essa opressão”, dizia a moção redigida por Edgard Leuenroth (1881-1968), um dos principais militantes anarquistas da República Velha.

A partir dali, a repressão só iria recrudescer. Expulsões, deportações e prisões no campo de concentração de Clevelândia, no município do Oiapoque (RS), durante o governo de Artur Bernardes (1922-1926), minaram a força do anarquismo. Mais à frente, com o Estado Novo e a implantação do sindicalismo oficial vinculado ao governo, a atuação do movimento acabou restrita a atividades culturais e educativas – como as da Universidade Popular Presidente Roosevelt, criada em 1945 por intelectuais não necessariamente anarquistas, que oferecia cursos gratuitos em várias áreas, como Psicologia, Sociologia, Política e Economia.

Mesmo ocultada das teorias pedagógicas e da história da educação, a influência das propostas libertárias anarquistas foi marcante no século XX. Muitos de seus princípios foram absorvidos pelas principais correntes pedagógicas e reformas educacionais, como as propostas de Celestin Freinet (1896-1966), a Escola Nova de John Dewey (1859-1952), a pedagogia de Paulo Freire (1921-1997) e, atualmente, o movimento das Escolas Democráticas.
E não deixaram de provocar inquietação. Até que ponto, nestes tempos individualistas e competitivos, é possível praticar um ensino baseado na solidariedade e na liberdade?

José Damiro de Moraes é professor na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e autor, com Silvio Gallo, de “Anarquismo e Educação – A educação libertária na Primeira República”. In: História e Memórias da Educação no Brasil, vol. III (org. Maria Sephanou e Maria Helena Câmara Bastos, Vozes, 2005).

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

TEORIAS ANARQUISTAS

RESUMO

A nossa constituição afirma que a educação é um direito de todos e um dever do Estado, mas todos sabem que isso é uma grande “maquiagem”. Os anarquistas, em critica ao Estado jamais aceitaram essa “educação” oferecida. A perspectiva anarquista diz que a educação deve ser fora do contexto “Estado”, e sim que a própria sociedade possa aplicá-la com ajuda e recursos do Estado. A corrente anarquista, que entrou em nosso país no século XX, é a base da educação que conhecemos hoje.

Palavras-chave: Anarquismo, Educação, Concepções.


1 INTRODUÇÃO

Quando se fala em concepções contemporâneas da educação, estamos falando de várias concepções educacionais, entre eles se destacam as denominadas progressistas, que é uma tendência pedagógica seguida por inúmeros educadores. É caracterizada pela autonomia, pela crítica, democracia, luta por igualdade entre outras. A teoria anarquista tem em seu principio muitas das características da concepção progressista, pois se analisarmos veremos que no século XX, há uma forte influência de espanhóis, portugueses e principalmente italianos, que trouxeram para cá esses princípios anarquistas.

É nesse período que nasce a escola moderna, que é a base para a educação brasileira.


2 TEORIA ANARQUISTA E A EDUCAÇÃO

            As primeiras tentativas de aplicação do principio anarquista ocorreu na França em 1861. foi o nascedouro do termo denominado Pedagogia Literária.

            Já no Brasil, a Pedagogia Literária, chegou no inicio do século XX, e conhecida também como Escola Moderna, poucos registros (documentos) restam, porém sua contribuição para a educação foi fundamental. Durante a década de 30 surge a Escola Nova amparada por vários ideais modernistas e anárquicos, porem, com a liderança de vários intelectuais, entre eles Anísio Teixeira, que mantém os desejos de uma educação universal, gratuita e livre.

            Hoje o maior representante da Pedagogia Libertária no Brasil é Paulo Freire e seguido de seu maior discípulo Moacir Gadotti. Tendências como: pedagógica progressista, progressista libertadora, progressista libertária, progressista crítico-social dos conteúdos, dialética ou progressista, carregam os princípios anarquistas. Essas tendências têm em comum a defesa da gestão pedagógica e o antiautoritarismo. A escola libertadora, também conhecida como a pedagogia de Paulo Freire, junta a educação à luta e organização das classes dos oprimidos.

[...] estar no mundo, para nós homens e mulheres significa estar com ele e com os outros, agindo, falando, pensando, refletindo, meditando, buscando,inteligindo, comunicando o inteligindo, sonhando e referindo-se sempre a um amanhã comparando, valorando, decidindo, transgredindo princípios. (FREIRE, 2000, p. 125)



3 CONCLUSÃO

O anarquismo, desde o principio luta por liberdade, que se torna como uma condição nata do homem, ou seja, uma luta incessante contra o “sistema” que o oprime. A expressão Anarquismo sofre vários desdobramentos por ser sistemático e de constante difusão.

Essa ideologia é responsável pela governabilidade do homem. Portanto devemos considerar o anarquismo como fonte de nossos desejos de liberdade.

Hoje a educação brasileira, esta  num caminho para as concepções dita progressistas onde encontramos forte presença dos ideais anarquistas, como autonomia, reflexão, critica, antiautoritarismo, igualdades... Que permeiam o pensamento dos profissionais da educação e apresentam alternativas para um desenvolvimento educacional diretamente ligado ao desejo de igualdade e liberdade.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

COMO NÃO SER ANARQUISTA


A Sociedade actual é um conjunto de iniquidades. A autoridade do homem sobre o homem e a exploração do indivíduo por outro indivíduo, são as duas iniquidades supremas, os dois maiores crimes lesa-humanidade, as duras iniquidades mães de todas as iniquidades. A autoridade e o direito de posse, são base e fundamento da organização social existente. E a religião, vil alcoviteira do Estado e do Capital, é o ópio maldito que adormece e embrutece o povo, tornando-o manso e resignado com os seus conselhos melífluos, tendentes a afastá-lo das realidades da vida, pondo as suas esperanças num utópico paraíso do outro mundo.

Para qualquer lado que dirijamos a vista, só veremos iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte. E, - contraste horrível! - junto às massas numerosas de indivíduos famélicos, de seres envilecidos pela miséria, de homens, mulheres e crianças anémicas, esfarrapadas, famintas, outros indivíduos, outros seres, outros homens embrutecidos por orgias infames, rebentando da fartura, vestidos de peles e sedas, e carregados de jóias, - o que constitui um grosseiro insulto feito à miséria do proletário, pelos monopolizadores do património universal.

É assim na sociedade presente: para os que trabalham e tudo produzem; para os que descem à mina para arrancar das entranhas da terra, os metais, as pedras preciosas, o carvão...; para os que fabricam ricos tecidos, constróem móveis cómodos, levantam sumptuosos palácios...; para os que lavram a terra, deitam no sulco a semente, apanham os frutos e ceifam, debaixo de um sol de fogo, as doiradas e desabrochantes espigas que hão de, mais tarde regalar o paladar dos que não quiseram nem souberam produzi-lo...; para estes, trabalhadores e produtores e - oh! Sarcasmo! - , escravos; para estes, repito, a vivenda ruim, sem luz nem ventilação, anti-higiénica; a comida escassa e má, insuficiente para refazer as forças gastas no rude e quotidiano trabalho; os vestidos grosseiros, mal feitos, sujos...; o estômago sempre insatisfeito e os membros sempre cansados; a anemia, e a tuberculose apoderando-se do organismo; e, às vezes, a morte por inanição e frio...

E em troca, para os que nada produzem, para os vadios, para os parasitas, a morada sumptuosa, os deliciosos manjares, os vinhos capitosos, as peles, as sedas, as carruagens (*), a literatura, a arte... tudo: luz, ar, flores; comodidades materiais; gozos do corpo e do espírito... (Mas, sobretudo, prazeres corporais, porque a burguesia, na sua grande maioria, movida por um sórdido materialismo, é incapaz de sentir profundamente os prazeres intelectuais). Admirável filosofia a burguesa! Primorosa justiça a que preside à actual sociedade!

E se a filosofia burguesa é admirável pelo seu cinismo, mais admirável ainda, pela sua estupidez, é a do obreiro submisso.

O operário farta-se de trabalhar e apenas pode satisfazer as suas mais peremptórias necessidades. Não obstante, resigna-se com o que ele chama a sua sorte em lugar de revoltar-se contra tudo e todos. - Não foram feitas para nós as riquezas, nem as comodidades, nem os gozos do mundo! - pensa estupidamente. E continua vegetando, sem que o espectáculo de tão demasiado luxo e de tantos crimes que ao seu redor ocorrem, infiltre indignação no seu abatido espírito.

E porquê?
Por que é que os operários são mansos e pacientes como ovelhas?
Porquê esta resignação suicida?
Como é que não compreendem que têm direito à vida, que o património universal lhes pertence de direito e que a eles deve pertencer de facto?

A
h!, é porque o trabalhador não sabe nada, não vê nada, não ouve nada, nada compreende. A ignorância atávica, as mentiras que desde criança lhe ensinaram, e os preconceitos arreigados nos cérebros da maioria dos homens: o ambiente mórbido em que vive; o empenho que têm as classes burguesas em que não se instrua; as leis coercitivas da liberdade individual, que impedem que homens de sentimentos nobres propaguem profusamente ideais de redenção; o trabalho extenuante a que é submetido; a falta de alimento e de descanso, e a cobardia moral que tudo isto engendra, faz com que o trabalhador seja incapaz de pensar e de analisar por si próprio, e que julgue que os males de que padece não têm remédio, que a organização social há de ser sempre a mesma, que a autoridade é necessária e que a exploração é lógica, porque sempre haverá pobres e ricos, como dizem que disse o Deus Cristo dos Católicos.

Assim pensa e crê a maioria dos trabalhadores, isso a que se chama povo, massa, vulgo... Mas junto desta maioria de trabalhadores submissos, há uma minoria de trabalhadores rebeldes, de indivíduos libertados de crenças absurdas, de homens que já não são o povo, porque ao libertarem-se de todos os dogmas, passaram a ser individualidades conscientes. E esta minoria de trabalhadores é numerosa e forte, e mais poderosa, portanto, que a maioria, a qual arrastará atrás de si, inevitavelmente, no dia da revolução, se não conseguir convencê-la o que não é sensato supor. Estes trabalhadores rebeldes, estes homens conscientes, descendentes dignos do mitológico Satan e de Espartaco, ao conhecerem o sofrimento, quiseram a sua total supressão, estudaram as causas da dor universal e souberam encontrar-lhe o remédio.

Provou-se, com argumentação incontestável, que todas as religiões são falsas; que a terra e tudo o que nela se produz, é património comum de todos os homens; que a propriedade é um roubo, e o direito de herança, causa o engrandecimento da propriedade individual, um verdadeiro crime; que a autoridade é inútil para o bem e fomentadora do mal, e que a sua única missão é manter os privilégios dos usurpadores de toda a riqueza social; que esses limites que marcam fronteiras, dividindo a terra em parcelas chamadas nações, e que são causa do ódio entre os habitantes de um e outro território, devem desaparecer, assim como os exércitos criados e mantidos não só para a guerra, mas também para fazer calar as vozes dos escravos quando, fartos de sofrer, pedem um pouco de liberdade, de igualdade ou de justiça. Ao fazer a crítica da sociedade, puseram-se em evidência os horrores que a actual organização engendra.

Viu-se que a autoridade, o capital e a religião são a causa de todos os males.

Provou-se que, dentro da organização social existente, não pode resolver-se o problema chamado «questão social», sejam os governos monárquicos, republicanos ou socialistas, porque todas as cataplasmas preconizadas pelos sociólogos «beras» para resolvê-lo, são inúteis. Enquanto subsistir a autoridade, as leis, o poder representativo, o executivo, judicial e repressivo, coarctando a liberdade individual, a livre iniciativa, o progresso; enquanto, pelo maldito direito de posse, se presumir feito pelo proprietário tudo o que em «seus domínios» se produza; e o capital, trabalho usurpado e não acumulado legitimamente, como dizem os seus panegiristas, não for abolido; e as religiões não desaparecerem da terra, deixando livres as consciências para que os indivíduos possam pensar e analisar por si próprios e obrar conscientemente..., a questão social continuará de pé.

É, pois, o Estado, o Capital e a religião que se tem de suprimir para que a questão social fique resolvida totalmente.
Julgam porventura que é só uma questão de estômago?

N
ão. A questão social não é só uma questão económica; é também uma questão de moral e de liberdade. Por isso, todas as fórmulas imaginadas para resolver esta questão dentro da organização social presente, são nulas.

Portanto, é necessário fazer a Revolução Social, e, sobre as ruínas desta decrépita sociedade, organizar, racional e cientificamente, a nova sociedade, a sociedade livre e igualitária, a sociedade do comunismo libertário.



II
Numa sociedade livre e bem organizada, tudo será paz, amor, alegria... Despidos os homens de preocupações; desobstruídos os cérebros de atávicos e ridículos preconceitos; desaparecidos os ódios mesquinhos e os baixos egoísmos; tendo a instrução e a educação levantado o espírito humano a um nível moral e intelectual não atingido em nossos dias; tendo cada um plena consciência de seus direitos e deveres, e sendo todos iguais economicamente e livres absolutamente..., já não há crimes, já não há injustiças, já não há mesquinhas e cruentas lutas pela conquista do pão, porque o pão está garantido a todos.

A Justiça preside à sociedade acrata. Os homens, sentindo-se felizes, amam os homens. O ódio desaparece da Terra. Não há força capaz de quebrar a harmonia que entre os humanos reina. A liberdade e a igualdade são património do Homem. A realidade e a vida não são deformadas em moldes construídos de teorias e de abstracções absurdas e limitativas. Já não há quem ponha diques ao progresso. Desfeitas as peias que a uniam ao jugo da ignorância e da mentira, a Humanidade caminhará a passos gigantescos para a perfeição. E a Solidariedade, a humana e sublime Solidariedade, manifesta-se em todo o seu esplendor.

Não há, numa sociedade livre, privilegiados nem deserdados, nem exploradores nem explorados, tiranos nem escravos. Nela não se vêem nem miseráveis mendigos, nem desgraçadas prostitutas, nem abjectos polícias. Nada de ruim e miserável nela existe. Suprimiu-se o Estado, com as suas leis absurdas, seus legisladores, seus juizes, suas repartições abarrotadas de vadios e de seus milhares de odiosos instrumentos; o Capital, causa de tanta miséria, de tantos males e tantos crimes; e a Religião, com as suas igrejas cheias de parasitas, seus estúpidos ídolos e suas cerimónias irrisórias.

E abolindo o Estado, o Capital e a Religião, desapareceram também os odiosos, anti-higiénicos e desumanos antros de exploração e miséria; quartéis e hospitais, presídios e cárceres.

O progresso da indústria e da mecânica, alcançou já tal grau de perfeição que só com o que se produz na sociedade capitalista, poder-se-ia muito bem satisfazer completamente as necessidades de todos. Ora bem: se na sociedade capitalista, onde a produção é limitada, porque assim convém aos interesses criados de uns quantos, há produtos suficientes para todos - e isto está provado estatisticamente - com a diferença que, estúpida e criminosamente, se deixa que os produtos se estraguem, calcule-se que superabundância não haverá na sociedade comunista livre, quando o trabalho, livre de empecilhos políticos, religiosos e sociais, emancipado do capital, seja praticado voluntariamente por todos os homens.

Estou já ouvindo exclamar: «Mas se o trabalho é voluntário, ninguém quererá trabalhar!» Que pobres de espírito são os que assim pensam!... - Como! - exclamo eu - Que ninguém quererá trabalhar?... Que loucura!... Acaso não está provado que o trabalho é uma necessidade fisiológica? Acaso não está na consciência de todos que se o homem não fosse produtor não poderia subsistir? Acaso não é pelo trabalho que se enobrece e se dignifica o homem? Acaso não é o trabalho uma lei da natureza, um alto conceito moral, a verdadeira virtude?... É insensato supor que o homem possa entregar-se à ociosidade, uma vez libertado o trabalho do jugo capitalista.

Precisamente o que hoje torna odioso o trabalho, é esse maldito jugo e não o próprio trabalho, pois trabalhar é ser tiranizado e explorado, é ter que suportar a presença do estúpido burguês, e, além disso, porque sabemos que depois de uma jornada de nove, dez ou doze horas de um trabalho aniquilante, não teremos ganho o suficiente para satisfazer as nossas peremptórias necessidades. Eu, que sou operário, que sou explorado, sei por experiência que não trabalhar é aborrecer-se. E aos meus companheiros de exploração, ainda aos mais refractários ao trabalho, tenho ouvido sempre as mesmas lamentações quando têm estado sem ocupação: «sem trabalhar sou homem morto». «Aborreço-me, não sei o que hei de fazer, nem para onde ir». «Isto é insuportável; parece impossível que haja quem possa viver sem trabalhar». E ao falarem assim, não têm em conta o jornal que o seu trabalho lhes poderia proporcionar, mas apenas o aborrecimento que os faz sofrer.

Não há, pois, a recear que o homem seja preguiçoso quando for livre. Não receemos tão pouco que os produtos escasseiem. Seja o trabalho livre e a produção será muito superior ao consumo, por excessivo que este seja e por muito escassa que seja aquela. E mais sensato é supor que na sociedade libertária se tenha que gritar: «façam o favor de não produzirem tanto, companheiros, que já não há lugar onde arrecadar os produtos» e não que seja necessário estimulá-los ao trabalho.

Por isso, nós, os anarquistas, queremos: «Que o homem seja livre, na sociedade livre e que nela cada indivíduo produza segundo seja a sua vontade e à sua vontade consuma».

Porque quando os homens estiverem associados livremente; quando a produção estiver organizada sobre bases racionais e científicas; quando as máquinas e todos os instrumentos de trabalho pertencerem ao acervo comum da colectividade; quando toda a terra se tornar produtiva, o que hoje não sucede porque assim convém ao usurpadores do património universal; quando desaparecerem os mil e um empregos necessários hoje para facilitar as transacções comerciais e para satisfazer a vaidade burguesa, mas desnecessários numa sociedade justa, livre e igualitária; quando, por ser a riqueza social propriedade comum de todos e não património de uns poucos, as máquinas estiverem multiplicadas até ao número que for necessário; e quando, finalmente, os homens compreenderem que o interesse de um é o interesse de todos, que do bem-estar da colectividade depende o bem-estar do indivíduo, o trabalho não será penosa imposição, sinal de escravidão, brutal e aniquilante, senão que, além de ficar reduzida à sua expressão mais simples, será agradável entretenimento, higiénico desporto.

O que fica exposto basta para que todos compreendam que não há motivos para recear a falta de produtos numa sociedade onde a produção e o consumo sejam voluntários.

E estando a produção assegurada, que mais há a temer?

N
ada absolutamente, pois possuindo todos o necessário, não haverá invejas, egoísmos nem crimes, porque o dinheiro, único deus da burguesia, única coisa que na actual sociedade pode redimir da escravidão material, terá desaparecido na sociedade livre, e sabido é que, directa ou indirectamente, o dinheiro é causa de todos os crimes, de todas as invejas, de todos os egoísmos.

Mas há mais ainda: a questão do amor, resolvida pelo amor livre. E o amor livre é - dito de uma forma concisa, pois não há espaço nem aqui é lugar para dar uma extensa definição, - o verdadeiro matrimónio, ou seja, que quando um homem e uma mulher se amem, unir-se-ão livre e voluntariamente, sem que ninguém tenha direito de ordenar o contrário e sem necessidade de comunicá-lo a um padre ou a um juiz, pois estes nada têm que ver com semelhante acto nem aos amantes faz falta a permissão do juiz ou do padre para darem expansão aos seus sentimentos amorosos. (E tenha-se em conta que isto do padre e do juiz, o digo para melhor compreensão e para a prática desta formosa e moral teoria na presente sociedade, pois na sociedade anarquista não haverá, claro está, semelhantes personagens).

E para terminar este capítulo, pois já o espaço vai faltando e é ainda imprescindível fazer outro, direi que a Anarquia é o ideal mais belo e humanitário que o pensamento do homem tem concebido; que as suas teorias são científicas, naturais e racionais, que não é um ideal abstracto, um sonho generoso mas irrealizável, mas sim um ideal concreto, de imediata realização, de implantação fácil e simples, porque não é necessário para isso que os homens sejam anjos - como dizem aqueles que nos taxam de utopistas, e os utopistas, afinal são eles! - pois basta que os homens sejam tal como são, pois assim mesmo os queremos, com todos os seus defeitos e paixões.



III
Quão grande e formosa é a Anarquia!
Que imenso mundo de belezas ela encerra em seu seio!...
Como não amá-la?...
Oh, ignorância!
Oh, estupidez dos homens!...
Como é possível haver quem conheça a Anarquia e não a ame?...

E, todavia os há!...

Alguns ruins miseráveis, seres egoístas, indivíduos sem dignidade... tais são os que podem conhecer a Anarquia sem a amar!...

Quando, nas asas da fantasia, voamos à sociedade futura, e com um esforço de vontade e inteligência, nos colocamos no lugar que então ocupará o homem; quando, pelos mesmos processos, poisamos sobre a terra e vemos tantos crimes, injustiças, horrores, como há na sociedade presente; quando comparamos os homens de hoje, ignorantes, estúpidos, egoístas, miseráveis com os homens de amanhã, ilustrados, robustos, generosos, oh! quanto ódio sentimos pela sociedade presente e quanto desprezo nos inspiram os homens de hoje, ao comparar o que é com o que deve ser, com o que pode ser, com o que será, pese a todos os escribas e fariseus que no mundo existem.

Não ser anarquista, por não saber o que é a Anarquia, é ser ignorante; por ser incapaz de compreendê-la, é ser imbecil; e conhecê-la e compreendê-la, e, não obstante, defender a presente sociedade porque assim se vai vivendo, é ser canalha.

E não se diga que somos sectários. Até os mais ardentes defensores da sociedade capitalista, reconhecem que esta é má, e boa a anárquica. Portanto, cabe perguntar: - Se reconheceis que a presente sociedade é má e que a sociedade anarquista é boa, porque não sois anarquistas? A esta pergunta respondem com uma capciosidade: - Porque a Anarquia perfeita é irrealizável. Mas isto não é um argumento em contra, é, pelo contrário, em pró. Com efeito, ao reconhecerdes que a sociedade de hoje é má e boa a de amanhã, reconheceis que somos superiores aos outros homens e confessais a vossa perversidade? Ah! Conheceis o bem e o mal e, não obstante não quereis o bem? Pois nisso está a vossa condenação.

Podeis desmascarar-vos.
Podeis abandonar a hipocrisia.
Não digais que a Anarquia perfeita é irrealizável.
Dizei que não quereis o bem estar da humanidade.
Sede francos.
Por isso, eu pergunto: Como não ser Anarquista?
Como não sê-lo, se a sociedade presente é má e nela tudo é iniquidade e crime, dor e miséria, lágrimas e morte?
Como não sê-lo, se a sociedade anarquista é boa e nela tudo é paz, amor, alegria...?
Que cada um faça o seu exame de consciência e responda.
Eu, já fiz o meu.
E à frase interrogativa:

COMO NÃO SER ANARQUISTA?
respondo com a frase exclamativa:
COMO NÃO SER ANARQUISTA!

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CONSTRUIR O SOCIALISMO LIBERTÁRIO

CONSTRUIR O SOCIALISMO LIBERTÁRIO Autogestão e Federalismo Hoje
“A autogestão supõe a abolição da propriedade privada ou de Estado dos instrumentos de produção e sua transferência aos trabalhadores que têm a ‘posse’ desses instrumentos, que eles transmitem quando deixam a empresa aos que lhes sucedem.” Maurice Joyeux
Aspectos Construtivos do Socialismo Libertário
Uma reflexão atual sobre autogestão e federalismo deve, certamente, levar em conta o fardo carregado pelos anarquistas há anos, que são acusados de criticar e acusar, mas de pouco propor e construir. A afirmação tem certa base, visto que parte dos anarquistas dedicou-se mais em fundamentar sua crítica sobre o princípio da autoridade e da exploração, do que desenvolver os aspectos construtivos libertários.
O próprio termo anarquia, do grego an(a) “sem” e arkh(os) “governo/autoridade”, trabalha com um conceito de negação - neste caso do princípio do governo e da autoridade - e não de construção.
Ainda em meio à Revolução Francesa, no século XVIII, o termo anarquismo já era utilizado, mesmo que sem uma definição clara, tanto para se referir a uma concepção que visava promover a revolução, quanto a uma outra, que estaria disposta somente a perturbá-la (1). Desde então, a utilização dos termos “anarquia” e “anarquista” foi constante, como se pode ler nos periódicos que datam dos séculos XVIII e XIX. A utilização geralmente era feita por pessoas defensoras da “ordem”, ou pela imprensa conservadora, com o objetivo de desclassificar adversários políticos, geralmente aqueles que defendiam certo “excesso de liberdade”, para se referir ao estado de guerra civil, ou a uma tentativa de mudança da ordem social. Ou seja, já se estava criando no imaginário popular, uma ligação entre o conceito de anarquia, ou anarquismo, e a subversão, o elemento desestabilizador da ordem e o caos. Um conceito de crítica, de rejeição de algo estabelecido.
O conceito só foi utilizado de maneira positiva por Proudhon, ainda no século XIX, como descreve Alexandre Samis, ao dizer que:
A anarquia, palavra recorrente nos discursos que tinham como objetivo desclassificar os oponentes, geralmente partidários da liberdade, era então vista de forma bem diversa da conceituação que lhe deu Pierre-Joseph Proudhon no seu tratado apresentado à Academia de Ciências de Besançon, O que é a Propriedade?, em 1840 (2) ”.
Mesmo reivindicando-se anarquista, Proudhon sustentou praticamente sozinho este adjetivo, até a formação do conceito daquilo que se chamaria anarquismo, alguns anos depois. Os seguidores de Proudhon, dentre eles Bakunin, somente passariam a chamarem-se anarquistas, anos depois. No entanto, devemos atribuir a Proudhon a primeira tentativa de transformar o conceito de anarquismo de um conceito de simples negação, com conotação pejorativa, em um conceito construtivo, “que seria o distintivo de toda uma geração de revolucionários” (3) . É assim que devemos concordar novamente com Alexandre Samis quando afirma que:
Proudhon tomou para si a difícil tarefa de habilitar um termo com significado negativo e com postura estóica resistiu durante muito tempo solitário com suas convicções. Ele afirma em O que é a Propriedade?: ‘a propriedade e a autoridade estão ameaçadas de ruir desde o princípio do mundo: assim como o homem busca a justiça na igualdade, a sociedade aspira à ordem na anarquia’. Proudhon transforma assim a anarquia em veículo para se atingir o thelos qualitativo da sociedade; é a pedra-de-toque que levará o homem à ordem em oposição ao caos, que, segundo ele, é a autoridade. O imperativo moral anunciado por Proudhon é uma mudança radical no conceito de ‘anarquia’ e confere aos anarquistas um papel privilegiado nas mudanças sociais. (4)” (Grifos meus)
Apesar desse intento de Proudhon em trazer o anarquismo para uma esfera construtiva, e tantos outros que foram feitos anos depois, o fato é que o anarquismo acabou conservando, até hoje, em seu bojo, grande parte deste aspecto crítico, de destruição, em detrimento dos aspectos positivos, de construção. Foi assim que o pensamento libertário acabou fundamentando importantes críticas (como a crítica ao capitalismo, à autoridade, e principalmente ao Estado), mas muitas vezes resumiu-se a elas. Nos dias de hoje, o anarquismo não é mais considerado, em todos os casos, com um sentido pejorativo e busca ter um sentido positivo. Apesar da chamada “diversidade” que existe dentro do anarquismo acabar por torná-lo um certo “balaio de gatos”, há uma linha-comum entre todas as suas tendências; ela é formada pelas críticas, que acabam por sustentar ainda aquele conceito de anarquismo como “elemento desestabilizador da ordem”.
Foi a continuidade desta tradição, juntamente com a pluralidade das idéias libertárias, somadas à facilidade de as pessoas adotarem slogans, que fizeram com que frases como “a paixão de destruir é também uma paixão construtiva”, de Bakunin, acabassem não sendo entendidas na sua totalidade e, sendo repetidas insistentemente, terminaram construindo uma realidade, não necessariamente semelhante àquela expressada por seu autor. Concluiu-se a partir desta frase, por exemplo, que para edificar a nova sociedade, bastaria destruir a atual, o que é um completo absurdo. Na concepção anarquista, a destruição seria representada pela revolução social, que derrubaria a estrutura da velha sociedade e abriria as portas para a construção da nova. E assim foi na história das revoluções com participações libertárias significativas, como na Rússia em 1917 e na Espanha em 1936.
Nas concepções de Bakunin sobre a revolução social, podemos ver claramente, e na maioria das vezes, um conceito de destruição, quando enfatiza, por exemplo, que:
Esta paixão negativa está longe de ser suficiente para elevar a causa revolucionária ao nível desejado; mas, sem ela, esta causa é inconcebível, e mesmo impossível, pois não há revolução sem destruição profunda e apaixonada, destruição salvadora e fecunda, justo porque dela e, só por ela, criam-se e nascem os novos mundos. (5) ”
Apesar disso, são evidentes também os conceitos construtivos, que eram trazidos por Bakunin, ao tratar da revolução quando, por exemplo, afirmava que:
Ninguém pode querer destruir sem ter pelo menos uma remota imaginação, real ou falsa, da ordem de coisas que deveria, em sua opinião, substituir ao que existe atualmente; e quanto mais viva está esta dita imaginação, mais poderosa torna-se sua força destrutiva; e quanto mais se aproxima da verdade, ou seja, está mais em harmonia com o desenvolvimento necessário do mundo social atual, mais saudáveis e úteis se fazem os efeitos de sua ação destrutiva. Com efeito, a ação destrutiva está sempre determinada, não só na essência e no grau de intensidade, mas também nos métodos, nas vias e meios que emprega, pelo ideal positivo, que constitui sua inspiração primeira, sua alma (6)
Como o próprio Bakunin demonstra (7) após a revolução, há um período intermediário - que não devemos confundir com a “ditadura do proletariado” - que geralmente é de guerra civil, em que a contra-revolução ataca, tentando retomar o poder. Há uma grande ofensiva da reação, o que torna ainda mais difícil a construção da nova sociedade, pois, se por um lado tem-se que ocupar desta construção, ao mesmo tempo, deve-se preocupar com a questão da “defesa da revolução (8) ”. O caso da Espanha da guerra civil de 1936-39, em que fábricas de alimentos tiveram de ser ajustadas para a produção de armas é um exemplo claro que a construção da Espanha Libertária não era simplesmente a revolução. Não era simplesmente uma nova construção após o sucesso da revolução de julho. Era obviamente manter os ganhos conquistados, ao mesmo tempo abrir campo para a reconstrução da sociedade e, passada a ameaça da contra-revolução, edificar a sociedade libertária, colocando em prática a autogestão e o federalismo, com todas as dificuldades que isso implica: mudança de cultura, de consciência, de funcionamento da indústria, das empresas, das comunidades, etc.
Quando Bakunin desenvolveu este assunto da destruição e da construção, sua inspiração estava em Proudhon, e tanto em um quanto em outro, há também certas ambigüidades com relação ao tema. Vejamos um exemplo de Proudhon. Em 1849, ele escrevia: “[...] sou socialista [...] não apenas porque protesto contra o regime atual da sociedade, mas por que afirmo um novo regime [...] (9) ”. Nesta frase, Proudhon coloca claramente a questão construtiva do socialismo, insistindo que ser socialista não significa simplesmente negar o capitalismo, mas afirmar uma nova sociedade, ou seja, conceber e lutar por uma sociedade desejável; socialista neste caso. No entanto, Proudhon também tem trechos relativamente ambíguos que podem possibilitar dupla interpretação. É o caso, neste mesmo artigo de 1849, quando continua: “Sou socialista, isto é, simultaneamente reformador e inovador, demolidor e arquiteto; pois, na sociedade, esses termos, conquanto opostos, são sinônimos.” Desse trecho podemos ter duas interpretações. Uma primeira que nos parece equivocada, que “demolidor” e “arquiteto” são sinônimos, ou seja, a mesma coisa. Está claro que destruir não é a mesma coisa que construir. Uma segunda interpretação, que nos parece mais coerente, é que destruir não significa construir, mas que destruir implica em construir. Ou seja, de nada adianta afirmarmos a destruição de algo, se não sabemos com alguma clareza o que queremos colocar no lugar.
Esta segunda interpretação justifica uma noção construtiva que é importante, inclusive para a persuasão de outras pessoas sobre os ideais pelos quais lutamos e também para que possamos pensar estrategicamente nas alianças, nos acordos e nas reivindicações que faremos.
Os anarquistas, por diversas vezes, foram vítimas, pois se aliaram a outros, na expectativa de fazer a revolução, para depois, ver o que seria feito. O resultado foi obvio: na “obra da destruição”, todos que eram contra os regimes vigentes, aliaram-se para a destruir aqueles regimes, ou seja, para a revolução. Os problemas vieram no momento de se construir algo depois da revolução, pois neste momento, os anarquistas, aliados na obra da destruição, terminaram por tornarem-se inimigos, na obra da construção. Muitos anarquistas foram mortos, simplesmente eliminados por isso (10).
Foi justamente pela conclusão da necessidade de se trabalhar os aspectos construtivos, que o anarquismo pautou-se, em grande medida, no desenvolvimento dos conceitos de federalismo e autogestão. Toda esta discussão caracterizou-se pela busca da resposta a duas perguntas:
a. Como funcionará a sociedade autogestionária e federalista, defendida pelos anarquistas, depois da revolução social?
b. Como aplicar os princípios do federalismo e da autogestão hoje, pelo menos parcialmente, e fazer com que eles constituam-se como ferramentas na luta contra a exploração e a opressão, levando-nos na direção dos objetivos de longo prazo?
Foi sempre na busca dessas respostas que os libertários tentaram desenvolver conceitos para o funcionamento da sociedade futura e para as lutas cotidianas.
Em primeiro lugar, o funcionamento da sociedade futura, como um projeto de longo prazo, um esboço das linhas gerais do funcionamento das instâncias econômicas, políticas e sociais, que, no momento apropriado, sustentariam a “nova sociedade”. Vale ressaltar que muito mais relevante do que criar projetos acabados de sociedade - como foi o caso dos falanstérios de Fourier - é importante a discussão e a determinação das “linhas-mestras” que permitirão uma adaptação segundo o tempo e o momento.
Em segundo lugar, a aplicação dos princípios imediatamente, pois de nada adiantaria ter um processo de funcionamento de sociedade que ficasse “guardado na gaveta”, para nunca ser aplicado, como aconteceu com o projeto de “comunismo” presente em Marx. Isso implica exatamente a discussão de fins e meios. Para os anarquistas, os fins estão nos meios, ou seja, se queremos uma sociedade em que funcionem plenamente os princípios da autogestão e do federalismo, não há outra forma para se chegar a ela, que não seja por lutas federadas e autogeridas. Ou seja, os fins são os próprios meios. Eis um projeto de luta bastante diferente da concepção desenvolvida pela escola marxista, que afirmava que os fins justificam os meios e, embasados nesta máxima, justificavam um Estado autoritário como meio de luta (a concepção de socialismo como estágio intermediário de Marx) para se atingir um fim comunista, sem Estado; algum dia quem sabe. As previsões anarquistas se confirmaram: das lutas com caráter autoritário, somente originam-se projetos de sociedade autoritários. Ou seja, o meio autoritário - o Estado “socialista” - não desaparece nunca e o meio torna-se o fim; exatamente como aconteceu com o projeto da União Soviética, dentre outros que tentaram chegar ao comunismo seguindo a escola marxista-leninista. Há muitos exemplos.
É exatamente por este motivo que, se defendemos os princípios do federalismo e da autogestão para nortearem o funcionamento de uma sociedade futura, é imprescindível que eles comecem a ser aplicados imediatamente, e nos ajudem na aproximação da revolução social, ou mesmo para as lutas que têm objetivos de curto prazo, mas que não deixam de ser revolucionárias (11).
A Necessidade de Aplicação dos Princípios da Autogestão e do Federalismo Hoje
Estes aspectos construtivos do anarquismo não devem ser pensados somente a partir de uma perspectiva do “pós-revolução”. Muitos escritos sobre o tema, refletem sobre autogestão e federalismo, somente como um sistema que deverá entrar na ordem do dia quando se fizer a revolução, ou seja, na implantação do socialismo ou do comunismo libertário. O melhor projeto a que tive acesso, neste sentido, foi o chamado “PARECON”, um acrônimo do inglês utilizado para o termo Participatory Economics, ou Economia Participativa, desenvolvido por Michael Albert e outros autores (12).
O PARECON parte de uma premissa libertária de construção de uma sociedade futura e que tem como principais pilares equidade, solidariedade, diversidade, autogestão e equilíbrio ecológico. As discussões em torno desse projeto são bastante grandes e há contribuições significativas à questão sobre o funcionamento de uma sociedade futura. O PARECON defende uma estrutura de conselhos democráticos de trabalhadores e consumidores que permitiriam uma forma diferenciada de tomada de decisões em vários níveis, sustentada pela autogestão. Há um outro eixo central na proposta do PARECON que é a criação de complexos balanceados de tarefas, o que permitiria acabar com separação entre trabalho manual e intelectual. No bojo da discussão do PARECON, há ainda todo um debate em torno de economia, propriedade privada, remuneração, distribuição, produção, consumo, eficiência, produtividade, criatividade, inovações, dentre outros assuntos.
A idéia do PARECON foi construída mesclando parte dos conceitos anarquistas, parte de conceitos de outras correntes socialistas de cunho libertário - como é o caso dos comunistas conselhistas - e desenvolveu características próprias, aprofundando as tradições clássicas. Tratando da relação entre a proposta do PARECON e o anarquismo, Michael Albert afirmou em uma entrevista:
Acredito que o próprio PARECON seja um projeto econômico anarquista porque ele realiza funções econômicas desejáveis, de maneira a incorporar rapidamente a influência e o envolvimento de cada pessoa. O PARECON não possui hierarquias fixas e estrutura de classes. Ele gera não apenas participação e justeza de resultados sociais e materiais, mas também de autogestão real, o que é, claramente, um objetivo prioritário do anarquismo. Devo pensar, em outros termos, que os anarquistas não devem achar o PARECON simplesmente adequado, mas vê-lo como um companheiro muito próximo de suas aspirações (13).”
Antes deste projeto, foram vários os autores que tentaram traçar as linhas-mestras para uma organização da sociedade futura, de maneira antiautoritária. Dentre estes exemplos, podemos ressaltar o livro A Conquista do Pão de Piotr Kropotkin, o Organismo Econômico da Revolução de Diego Abad de Santillán, O Comunismo Libertário de Isaac Puente, Idées sur l’organisation sociale [Idéias sobre a Organização Social] de James Guillaume, Os Sindicatos Operários e a Revolução Social (14) de Pierre Besnard, Sobre o Conteúdo do Socialismo II de Cornelius Castoriadis, Conselhos Operários de Anton Pannekoek, dentre outros.
Devemos reconhecer que há grande importância na discussão e na definição de nosso projeto socialista libertário, descrevendo, em linhas gerais, a sociedade em que gostaríamos de viver. É este projeto que nos permitirá imaginar onde queremos chegar e avaliar as ações que tomamos hoje, verificando se elas estão caminhando rumo aos nossos objetivos de longo prazo ou não. Pode parecer óbvio dizer, mas é fundamental para um militante ou um grupo de militantes saber onde se pretende chegar com seu trabalho. É responder a questão: onde queremos chegar?
No entanto, tão importante quanto a discussão sobre as perspectivas possíveis de longo prazo, é a discussão de como esses objetivos estratégicos, nosso projeto político de longo prazo - em que a autogestão e o federalismo certamente têm lugar preponderante - devem nortear as práticas de luta cotidiana, ou seja, como podemos aplicar imediatamente esses princípios nas lutas do dia-a-dia, na militância pelos ganhos de curto prazo, nas mobilizações cotidianas ou em nossa atuação que se coloca mais no âmbito tático do que estratégico. É responder duas questões. O que fazer hoje para começar a caminhar rumo a onde queremos chegar no futuro? Como atuar para pelo menos avançar na direção correta?
Buscar respostas para essas duas questões é importante, pois faz com que as idéias libertárias saiam do plano ideal, de um conceito teórico, para tornar-se uma realidade concreta. A crítica feita aos anarquistas que acabaram “nas torres de marfim” aconteceu exatamente por um distanciamento que a teoria libertária acabou tendo da prática e, por isso, terminou criando um hiato monstruoso entre aquilo que se pregava e aquilo que se realizava. Isso foi fundamental para uma radicalização bastante ruim ocorrida com membros da tradição libertária, quando o anarquismo distanciou-se de seu viés mais importante, que é a realidade social, e passou a propagar uma teoria cada vez mais “radical”, terminando por transformar-se em sectarismo absoluto, ações individualistas, entre outras práticas contraproducentes. São muito comuns os exemplos de grupos que simplesmente não conseguem ter trabalho social, por achar que todos os ambientes em que esta atuação social seria possível: sindicatos, escolas, movimentos sociais, etc.,são completamente “contaminados” por partidos políticos e pelas ideologias autoritárias. Há uma confusão entre o que se trata no plano político e o que se trata no plano social (15) foge-se da realidade, por ela ser muito diferente do plano teórico e ideal. Dessa forma, cresce a “violência verbal” presente nos discursos, que não existe minimamente na prática. Ou seja, há uma idealização do plano futuro que não tem qualquer ação de curto prazo que possa apontar para os objetivos desejados. Constrói-se uma teoria que é vazia e que não dá conta da realidade.
É justamente a aplicação dos princípios libertários na realidade cotidiana que norteia a teoria, assim como a teoria inspira a prática do dia-a-dia. Como bem coloca a Federação Anarquista Uruguaia (FAU) em Importância da Teoria, quando ressalta:
“Por isso, a partir dessa comprovação básica é que surge como fundamental e prioritário a atuação, a prática política. Somente a partir dela, em sua existência concreta, nas condições comprovadas de seu desenvolvimento, pode chegar a elaborar-se um pensamento teórico útil. Que não seja uma gratuita acumulação de postulações abstratas com mais ou menos coerência e lógica interna, mas sem coerência com o desenvolvimento de processos reais. Para teorizar com eficácia é imprescindível atuar (16).” (grifos meus)
Um exemplo mais visível disso é o seguinte: os grupos mais sectários, menos dispostos a trabalhar com pessoas diferentes (não anarquistas), que tudo acusam de ser reformista, etc. são exatamente os grupos que menor trabalho social possuem. Os grupos mais dogmáticos, e que mais slogans proferem sem qualquer sentido prático, são exatamente esses grupos sem contato com a realidade social. Sem mobilização social, como é possível pretender caminhar rumo a uma sociedade em que impere a liberdade e a igualdade? Foi assim que acabaram sendo constituídos os “destruir o capitalismo e o Estado”, “ser revolucionário”, dentre outros slogans que, apesar de terem um conteúdo por trás, vêm sendo repetidos como um dogma, sem qualquer reflexão que aponte para uma ação cotidiana que pavimente o caminho rumo a estes objetivos. É uma questão simples. Observemos as letras abaixo:
A B C D E
Se desejamos sair de “A” e chegar em “E”, pelo caminho mais curto, devemos passar necessariamente por “B”, “C” e “D”. Considerando que a sociedade de hoje, em que estamos vivendo, seja a letra “A” e que a sociedade em que o comunismo libertário esteja plenamente estabelecido seja a letra “E”, necessariamente teríamos que realizar ações que fizessem com que passássemos por “B”, “C” e “D”, respectivamente. O exemplo dos radicais sem contato com a realidade citado acima, poderia ser caracterizado como pessoas que vivem em “A”, e que pregam o “E”, mas nada realizam em termos de “B”, “C” e “D”. Muitas vezes, nem acham que devem fazer alguma coisa nesses termos. Como pretendem caminhar sem querer mover as pernas?
É justamente na aplicação hoje, dos princípios da autogestão e do federalismo, que farão com que as práticas militantes dos socialistas libertários caminhem de “A” a “E”. A organização e a atuação do dia-a-dia criam condições para que se estabeleçam ganhos de curto prazo, e para que se acumule uma grande força social libertária (17) - o que poderia ser considerado “B”. Com grande força social e significativo apoio popular, poder-se-ia pensar na realização de uma revolução social, com a luta pelo término do capitalismo e do Estado - o que poderia ser considerado “C”. O período de defesa da revolução, de guerra civil e de reorganização (ou o que alguns chamam de socialismo libertário, como período intermediário) poderia ser considerado “D”. O estabelecimento da sociedade comunista libertária, com a implantação efetiva da autogestão e do federalismo, que poderia ser considerado o “E”.
É exatamente a luta pela constituição do passo “B” - ou seja, acumulação de força social significativa por parte dos defensores do federalismo e da autogestão, que poderá preparar terreno para o “C”, ou seja, para a revolução social. Se não, qual será o caminho para a revolução social? É por meio desse raciocínio que chegamos à conclusão da necessidade da aplicação imediata dos princípios do federalismo e da autogestão.
Primeiramente, como um meio libertário de se atingir os fins desejados. Em segundo lugar, como uma forma de aumentar a luta por nossos objetivos, e acumular força social. É somente assim que se pode caminhar rumo ao comunismo libertário - “E”. Simplesmente professar: vamos acabar com tudo! Vamos construir o comunismo libertário - ou seja, “E” - sem trabalhar, de fato, para a consolidação de “B” é cair no discurso vazio, numa prática de discursos frágeis que não se sustentam na prática