Chega de pacifismo!

Este blog não é partidário de nenhum partido político.

sábado, 31 de dezembro de 2011

A Burguesia- Cazuza





Burguesia

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
A burguesia não tem charme nem é discreta
Com suas perucas de cabelos de boneca
A burguesia quer ser sócia do Country
A burguesia quer ir a New York fazer compras
Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal
A burguesia tá acabando com a Barra
Afunda barcos cheios de crianças
E dormem tranqüilos
E dormem tranqüilos
Os guardanapos estão sempre limpos
As empregadas, uniformizadas
São caboclos querendo ser ingleses
São caboclos querendo ser ingleses
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
A burguesia não repara na dor
Da vendedora de chicletes
A burguesia só olha pra si
A burguesia só olha pra si
A burguesia é a direita, é a guerra
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
As pessoas vão ver que estão sendo roubadas
Vai haver uma revolução
Ao contrário da de 64
O Brasil é medroso
Vamos pegar o dinheiro roubado da burguesia
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Vamos pra rua
Pra rua, pra rua
Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo
A burguesia fede - fede, fede, fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia
Porcos num chiqueiro
São mais dignos que um burguês
Mas também existe o bom burguês
Que vive do seu trabalho honestamente
Mas este quer construir um país
E não abandoná-lo com uma pasta de dólares
O bom burguês é como o operário
É o médico que cobra menos pra quem não tem
E se interessa por seu povo
Em seres humanos vivendo como bichos
Tentando te enforcar na janela do carro
No sinal, no sinal
No sinal, no sinal
A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

OS MÁRTIRES DE HAYMARKET


A festividade socialista do Primeiro de Maio, se bem que nos anos recentes tenha sido seqüestrada pelos leninistas, se originou com a execução de quatro anarquistas em Chicago em 1886 por organizar trabalhadores na luta pela jornada de oito horas. A American Federation of Labor havia lançado uma chamada à greve para 1 de maio de 1886, apoiando esta demanda. Em Chicago os anarquistas eram a força principal no movimento sindical, e em parte como resultado de sua presença, os sindicatos atuaram sobre esta chamada com as greves do 1 de maio. Se convocou uma manifestação em repúdio à brutalidade policial durante estas greves. (A policia havia atacado um piquete, matando uma pessoa). Conforme se dissolvia a manifestação, foi atacada pela policia. Uma bomba foi lançada em cima das forças policiais, que abriram fogo sobre a multidão. Ao final, todos os anarquistas conhecidos foram presos, a policia baixou ordens de "lançar a rede primeiro e consultar as leis depois" do procurador do estado.
Oito anarquistas foram julgados por cumplicidade em assassinato. Não houve nenhuma pretensão de que nenhum dos acusados houvesse cometido nem planejado o bombardeio. Pelo contrario, se instruiu o jurado que "A lei está sendo julgada. A anarquia está sendo julgada. Estes homens foram selecionados pelo Grande Júri, e condenados  por serem líderes. Não são mais culpáveis que os milhares de seus seguidores. Senhores do júri; condene-os, façam deles um exemplo, acabem com eles e salvem nossas instituições, nossa sociedade". O jurado estava formado por homens de negócios e um parente de um dos policiais mortos, dessa forma, as vítimas foram declaradas culpadas. Sete foram sentenciados à morte, um a 15 anos de cárcere.
Uma campanha internacional resultou em que duas das sentenças fossem comutadas para prisão perpétua. Dos cinco restantes, um burlou ao verdugo suicidando-se à véspera da execução. Os quatro restantes foram enforcados em 11 de novembro de 1887. São conhecidos na historia operaria como os Mártires de Haymarket.
Albert Spies (um dos mártires) se dirigiu à corte depois de haver sido condenado à morte: "se credes que enforcando-nos podeis acabar com o movimento operário ... o movimento no qual os milhões de oprimidos, os milhões que trabalham na miséria e na necessidade esperam sua salvação -- se esta é vossa opinião, então enforquem-nos! Aqui pisotearás uma faísca, mas ali e acolá, por traz de vocês, pela tua frente, e por todas as partes, as chamas surgirão. É um fogo subterrâneo. Não o podereis apagar". Naquele dia, e nos anos posteriores, este desafio ao estado e ao capitalismo atrairia milhares ao anarquismo, particularmente dentro dos EEUU.
Para compreender por quê o estado e a classe patronal estavam tão determinados a enforcar aos anarquistas de Chicago, é necessário dar-se conta de que eram considerados como "líderes" de um movimento operário radical e massivo. Em 1884, os anarquistas de Chicago publicavam o primeiro diário anarquista, o Chicagoer Arbeiter-Zeiting. Era redigido, lido, publicado, e era propriedade dos imigrantes alemães do movimento operário. A circulação combinada do diário, do semanário (Vorbote) e a edição do domingo, (Fackel) mais que dobrou, de 13 mil exemplares em 1880 para 26.980 em 1886. Haviam periódicos anarquistas para outros grupos étnicos também.
Os anarquistas foram muito ativos na Central Labor Union, fazendo dela, nas palavras de Albert Parsons (um dos mártires), "o grupo embrionário da futura 'sociedade livre'". Aparte de seu trabalho sindical organizador, o movimento anarquista de Chicago originou também centros sociais, pic-nics, palestras, bailes, bibliotecas e um montão de atividades. Todas elas contribuíram para formar uma cultura obreira distintamente revolucionaria no coração do"American Dream". A ameaça à classe dominante e a seu sistema era demasiado grande para permitir que continuasse . Daí para a frente veio a repressão, a corte canguru, e o assassinato estatal daqueles que o estado e a classe capitalista considerava "líderes" do movimento.

A REBELIÃO MAIO-JUNHO NA FRANÇA EM 1968


Os acontecimentos de maio-junho na França puseram de novo o anarquismo na paisagem radical depois de um período durante o qual muita gente havia descartado o movimento como morto. Esta rebelião de dez milhões de pessoas começou humildemente. Expulsos pelas autoridades da universidade de Nanterre em Paris por atividades contra a guerra no Vietnã, um grupo de anarquistas (incluindo Daniel Cohn- Bendit) convocaram em seguida uma manifestação. A chegada de 80 policiais indignou muitos estudantes, que deixaram seus estudos para juntar-se à batalha e 
expulsar os policiais da universidade
Inspirados por este apoio, os anarquistas tomaram o edifício da administração e invocaram um debate de massas. A ocupação se expandiu, Nanterre foi cercado pela polícia, e as autoridades fecharam a universidade. No dia seguinte os estudantes de Nanterre se concentraram na universidade de Sorbonne no centro de Paris. A pressão da polícia continuou e a detenção de mais de 500 pessoas provocou um descontentamento que deu começo a cinco horas de luta pelas ruas. A polícia também atacou aos transeuntes com porretes e gás lacrimogêneo.
Uma proibição total de manifestações e o fechamento da Sorbonne fez com que milhares de estudantes tomassem as ruas. A crescente violencia policial provocou a construção das primeiras barricadas. o jornalista Jean Jacques Lebel escreveu que a uma da madrugada, "Literalmente milhares de pessoas ajudaram a construir barricadas... mulheres, operários, transeuntes, gente de pijama, formaram correntes humanas para carregar pedras, madeira, ferro." Durante uma noite inteira de batalha 350 guardas foram feridos. Em sete de maio 50 mil manifestantes entraram em choque com a polícia em uma batalha que durou todo o dia nas ruas do Quartier Latin (Bairro Latino). O gás lacrimogêneo da polícia foi respondido com coquetéis molotov e a canção: "Viva a Comuna de Paris!"
Em 10 de maio, manifestações massivas e contínuas forçaram o ministro da educação a entrar em negociações. Mas nas ruas surgiram 60 barricadas e os jovens trabalhadores se uniam aos estudantes. Os sindicatos condenaram a violência policial. Manifestações massivas por todo o pais culminaram em 13 de maio com um milhão nas ruas de Paris.
Diante deste protesto massivo, a policia se retirou do Bairro Latino. Os estudantes tomaram a Sorbonne e instituíram uma assembléia de massas para difundir a luta. De pronto as ocupações se difundiram espalhando-se para cada universidade na França. Desde a Sorbonne chegava uma torrente de propaganda, folhetos proclamações, telegramas e posters. Slogans como "Tudo é possível," "Sê realista, Peça o impossível," "A vida sem tempos mortos," e "É Proibido Proibir" cobriram as paredes. "Todo o Poder à Imaginação" estava nos lábios de todo mundo. Como indicou Murray Bookchin, "as forças motivadoras da revolução hoje... não são simplesmente a escassez e a carência econômica mas também a qualidade de vida diária ...  a tentação de controlar seu próprio destino" [Post-Scarcity Anarchism, pp. 249-250]. 

Muitos dos slogans mais famosos daqueles dias foram criados pelos Situacionistas. A Internacional Situacionista foi formada em 1957 por um pequeno grupo de dissidentes radicais e artistas. Eles desenvolveram uma análise coerente e altamente sofisticada da moderna sociedade capitalista (às vezes na forma de enigmáticos jargões [N.T.: no original: if jargon riddled]) e de como substituí-la por uma sociedade nova e mais livre. A vida moderna não é vida, diziam, é mera sobrevivência, dominada pela economia de consumo onde todo mundo, todas as coisas, todas as emoções e relações se tornam mercadoria. As pessoas não são apenas produtores alienados, eles são também consumidores alienados. Eles definiram este tipo de sociedade como «Sociedade do Espetáculo». A vida em si fora roubada e revolução significava brincadeira, alegria e diversão. O objeto da mudança revolucionária não era apenas o local de trabalho, mas também a existência cotidiana: «Falar sobre revolução e luta de classe sem aludir explicitamente à vida cotidiana, sem entender o caráter subversivo do amor e da recusa aos constrangimentos, é falar com um cadáver na boca». [citado por Clifford Harper,
 Anarchy: A Graphic Guide, pág. 153] 

Como os muitos outros grupos cuja política influenciou para os eventos de Paris, os Situacionistas argumentaram que «os conselhos de trabalhadores são a única resposta. Toda outra forma de luta revolucionária acaba tomando um caminho oposto àquele tomado originalmente». [citado por Clifford Harper, Op. Cit., pág. 149] Estes conselhos seriam autogeridos e não seriam instrumento para um partido «revolucionário» chegar ao poder. Como os anarquistas de Noire et Rouge e os socialistas libertários de Socialismo ou Barbarie, o apoio deles a uma revolução autogerida de baixo teve uma grande influência nos eventos de maio e nas idéias que os inspiraram.
 
Em 14 de maio os operários de Sud-Aviation trancaram as portas dos escritórios dos chefes das fábricas. No dia seguinte ocorreu o mesmo nas fábricas de Cleon-Renault, Lockhead-Beauvais e Mucel-Orleans. Nessa mesma noite foi ocupado o Teatro Nacional de Paris como assembléia permanente para o debate das massas. Depois, a maior fábrica da França, a Renault-Billancourt, foi ocupada. Muitos tomaram a decisão de continuar a greve por tempo indeterminado sem consultar aos dirigentes do sindicato. Chegando o 17 de maio, uma centena de fábricas em Paris passaram 
para o controle dos operários. Ao final da semana em 19 de maio 122 fábricas foram ocupadas. No dia seguinte, a greve e as ocupações se generalizaram com aproximadamente seis milhões de pessoas envolvidas. Os gráficos disseram que não permitiriam que houvesse monopólio nas reportagens informativas na televisão e no radio, e decidiram publicar periódicos para que a imprensa 'desenvolva com objetividade o papel de prover informação como é seu dever.' Em alguns casos os impressores faziam questão de alterar as manchetes ou artigos antes de publicar o jornal. Este foi o caso na maioria dos jornais de direita como 'Le Figaró ou 'La Nation'.
Com a ocupação da Renault, os ocupantes na Sorbonne se prepararam para juntar-se em seguida com os grevistas da Renault, e tendo à frente bandeiras anarquistas vermelhas e negras, 4 mil estudantes se dirigiram até a fábrica ocupada. O estado, os patrões, os sindicatos e o Partido Comunista contemplaram seu pior pesadelo - uma aliança entre os trabalhadores e os estudantes. Dez mil policiais da reserva juntamente com dirigentes sindicais fecharam a chave as portas das fábricas. O Partido Comunista mandou seus adeptos destruírem a rebelião. Se uniram ao governo e aos patrões para elaborar uma série de reformas, mas com as fábricas tomadas os trabalhadores os ignoraram.
A própria luta e as atividades se expandiram sendo organizadas por assembléias de massa autogeridas e coordenadas por comitês de ação. As greves muitas vezes foram organizadas também por assembléias. Como disse Murray Bookchin a "perspectiva de rebelião se expressou na proliferação da autogestão em toda sua plenitude - nas assembléias gerais e suas nuances administrativas, os comitês de ação - dirigindo todos os setores da economia, afetando todos os aspectos da própria vida " [Ibid., pp. 251-252]. Dentro das assembléias, "uma fome de vida tocou milhões de pessoas, um renascimento dos sentidos que o povo não sabia que lhes pertencia" [Ibid., p. 251]. Não foi uma greve de estudantes ou de trabalhadores. Foi uma greve do 
povo que não se ocupou de quase nenhuma divisão de classe.
Em 24 de maio, os anarquistas organizaram uma manifestação. Trinta mil pessoas se dirigiram até Place de la Bastille. A policia protegeu os edifícios do governo utilizando das ferramentas de sempre - gas e porretes - mas La Bourse não estava protegida e foi queimada por alguns manifestantes.
Neste momento alguns grupos de esquerda perderam seus nervos. O grupo trotskiista JCR mandou as pessoas voltarem ao Bairro latino. Outros grupos como UNEF e o Parti Socialiste Unifié (Partido Socialista Unificado) abandonaram a ocupação dos edificios de Finanças e Justiça. Cohn-Bendit descreve este acontecimento "Quanto a nós, não nos demos conta de quão facilmente se posicionaram contra todo o povo ... Agora sabemos que se em 25 de maio, em Paris, ao amanhecer, fôssemos informados de que os edifícios mais importantes estavam ocupados teríamos derrotado o Gaulismo. . . . " Mais tarde durante a noite Cohn-Bendit foi expulso.
Com o crescimento das manifestações e ocupações o estado se preparou para utilizar todo seu poder para controlar a rebelião. Clandestinamente, os militares mais importantes prepararam 20 mil soldados leais para ocuparem Paris. A polícia ocupou centros de comunicações como as estações de televisão e correios. Na segunda-feira, 27 de maio, o governo garantiu um aumento de 35% do salário mínimo e um aumento médio de 10%. Os líderes da CGT organizaram uma manifestação de 50 mil trabalhadores pelas ruas de Paris dois dias depois. Paris foi coberta com anúncios pedindo um 'Governo do povo'.  Desafortunadamente a maioria pensava sempre em querer mudar o governo em lugar de tomar o poder por si próprio.
Em 5 de junho a maioria das greves havia terminado e uma atmosfera daquilo que o capitalismo chama de normalidade reaparecia na França. As greves que continuaram depois desta data foram sufocadas com ocupações militares. Em 7 de junho atacaram a siderúrgica de Flins o que provocou uma batalha de quatro dias que resultou na morte de um operário. Três dias depois, os grevistas da Renault foram fuzilados pela policia com um saldo de dois mortos. Isolados, aquele punhado de militantes não poderiam lograr êxito. Em 12 de junho, as manifestações foram proibidas, grupos radicais foram declarados fora da lei e seus membros foram presos. Atacados por todos os lados, com o aumento da violência estatal e atraiçoados pelos sindicatos, a greve geral e as ocupações terminaram.
Então porque fracassou a rebelião? Certamente não por causa da ausência de uma vanguarda bolchevike. Estava infectada por elas. Afortunadamente os grupos tradicionais e os autoritários da esquerda foram isolados. Os interessados na rebelião não necessitavam de uma vanguarda para dizer-lhes o que fazer e a "vanguarda dos trabalhadores" correu desesperadamente atrás do movimento querendo controla-lo.
Não, foi a carência de organizações independentes autogeridas para coordenar a luta que resultou no isolamento das ocupações. Assim, divididos feneceram. Também, como Murray Bookchin afirma "faltava uma consciência entre os trabalhadores que era necessário trabalhar, e não simplesmente ocupar ou fazer greve" [p. 269].
Esta consciência foi alentada pela existência de um movimento anarquista forte antes da rebelião. A esquerda autocrata, embora muito ativa, foi demasiado débil entre os grevistas, e por isso a idéia de organizações autogeridas não era muito conhecida. Não há dúvida de que a rebelião demonstrou que os acontecimentos podem mudar a qualquer momento. A classe trabalhadora, juntamente com a energia e a bravura dos estudantes pediram coisas que não eram possíveis dentro do sistema existente. A greve geral demonstra com formidável clareza o potencial que há nas mãos dos trabalhadores. As assembléias de massa e as ocupações nos dão um excelente, embora breve, exemplo de anarquia em ação e como as idéias anarquistas podem difundir-se e serem aplicadas na prática.

What is Anarchism? de -Alexander Berkman

Acabou de ser publicado no GAAR Acervo Literário (link na parte de cima do lado direito deste blog) a versão em português do livro What is Anarchism? de Alexander Berkman. Pedimos desculpas desde de já pelos possíveis erros de português que possa conter na tradução.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A Revolução Espanhola

Revolução Espanhola
A Revolução Espanhola foi o conjunto de mudanças econômicas e sociais que ocorreram durante a guerra civil espanhola (1936 - 1939) nas regiões controladas pelosanarquistas da CNT-FAI e trotskistas do POUM, especialmente na Catalunha e Aragão. Nessas regiões, a maior parte da economia industrial e agrária foi autogestionada, o desemprego abolido, os salários igualados, e em alguns lugares o dinheiro e a propriedade privada foram abolidos em favor do comunismo libertário.
Precedentes
A economia espanhola teve um crescimento rápido desde o final do século XIX até o início do século XX. Em especial, as indústria mineira e metalúrgica lucraram e se expandiram enormemente durante a primeira guerra mundial, fornecendo insumos a ambos os lados. Entretanto, os resultados desse crescimento não se refletiram em mudanças nas condições sociais. A agricultura, sobretudo na Andaluzia, continuou em mãos de latifundiários, que deixavam grandes extensões de terra sem cultivar. Somava-se a isto a presença forte da Igreja Católica, que se opunha às reformas sociais e se alinhava aos interesses da elite agrária. Finalmente, a monarquia espanhola se apoiava no poder militar para manter o seu regime. O fim da monarquia e o advento da república (1931) nada mudou nesta configuração política básica, com o agravante de que esses setores se mantiveram monarquistas e tentativas de golpe se tornaram constantes.
Junto com o crescimento da economia, houve o crescimento do movimento operário. Após a fundação do primeira sociedade operária em Barcelona (1840), o movimento cresce e se espalha pelo país. Desde o início, e principalmente na Catalunha, que é a principal região industrial da Espanha, o anarquismo cria raiz e é a tendência política mais popular entre os operários. A principal confederação sindical, a CNT (Confederación Nacional del Trabajo), sob influência anarco-sindicalista, se recusa a participar da política partidária. Os trabalhadores nela organizados a controlam em regime de democracia direta. Nenhum cargo é pago. Os sindicatos, além de usar a ação direta como meio para defender os interesses dos trabalhadores, criam escolas e várias atividades educativas, que procuram suprir a inexistência de uma educação pública estatal, mas também divulgar os valores e práticas anarquistas.
A Comuna das Astúrias
A Comuna das Astúrias foi um evento premonitório do que viria a ocorrer dois anos depois. Em 5 de Outubro de 1934, uma insurreição conjunta dos socialistas (UGT) e dos anarquistas (CNT) contra o governo de direita fracassou em todo o território espanhol, exceto nas Astúrias. Nessa região, os trabalhadores da CNT e UGT haviam trabalhado juntos, numa colaboração que foi realizada muito mais pelas bases do que pelas lideranças de cada organização. Em Gijon, barricadas foram construídas imediatamente. Os mineiros de Oviedo acorreram à defesa da capital. A fábrica de armas caiu em mãos dos operários. As indústrias metalúrgicas trabalharam dia e noite para fabricar mais armas. Entretanto, a cidade já havia sido cercada pelas tropas marroquinas de Franco. A cidade resistiu até 18 de Outubro, e durante o período de combates, conselhos operários foram responsáveis pela organização da resistência.
]A eleição da Frente Popular
Os conflitos ocorridos nos anos precedentes levaram 30.000 militantes à prisão. Para avaliar-se o tamanho da cifra, vale lembrar que o exército regular espanhol dispunha do mesmo número de praças. A distribuição de força política, segundo o Ministro do Interior espanhol, estava assim dividida nos primeiros meses de 1936:
Esquerda
§  CNT - 1.577.000 militantes
§  UGT - 1.447.000 militantes
§  Comunistas - 133.000 militantes
]Direita
§  Afiliações várias - 549.000 militantes
§  Forças armadas - 20 a 30.000 praças
§  Falange - 50.000 militantes
§  Igreja - 50.000 padres e monjes
As eleições se aproximavam. A direita estava conspirando abertamente, e caso perdesse a eleição, estava disposta a tomar o poder através de um golpe militar. Sob esta realidade, a CNT realizou um congresso em Saragoça, onde a opinião do grupo Nosotros prevaleceu. Durruti afirmou que a despeito do resultado das eleições, a classe trabalhadora seria forçada a lutar contra o fascismo nas ruas, à bala. Por esta razão, pela primeira vez em sua história, os anarquistas não fizeram propaganda pela abstenção ao voto, pois teriam mais chances de vitória lutando contra um golpe militar do que contra um governo estabelecido.
Entretanto, nem por isso os espanhóis confiaram no governo de esquerda recém eleito. Muitos latifundiários fugiram para o exterior, abandonando suas terras. Muitos dos que ficaram, se recusavam a recontratar trabalhadores despedidos ilegalmente. Neste contexto, terras começaram a ser ocupadas pelos camponeses, e em muitas localidades, a cultivaram coletivamente. Essas expropriações ocorreram por iniciativa dos próprios camponeses, inclusive filiados à UGT, em Cenicientos, Múrcia, Salamanca, Cáceres, Badajoz, e numa tal velocidade que o governo, temendo provocar uma revolta ainda maior, decidiu enviar às ocupações engenheiros agrônomos ao invés de soldados.
Com a iminência do golpe de Estado, as tensões entre Igreja e trabalhadores aumentou. A Igreja incitava à violência armada. Armas foram encontradas em sacristias. Igrejas foram queimadas.
Após a vitória da Frente Popular, a coalizão de esquerda, as ocupações e greves se multiplicaram. Com a fuga de muitos capitalistas, empresas começaram a ser "coletivizadas", isto é, a ausência do patrão era resolvida com o recurso à autogestão. Os próprios trabalhadores se organizavam em democracia direta para gerir as empresas. Isto não fazia parte do programa da Frente Popular, muito pelo contrário. Tudo isto foi feito por iniciativa dos próprios trabalhadores, à revelia do governo. Outro fator importante, é que uma onda grevista e de ocupações de fábricas estava atingindo a França no mesmo período, e os espanhóis tinham conhecimento disso.
19 de Julho
No dia 18 de Julho de 1936 começou o golpe militar, no Marrocos, em Córdoba e em Sevilha. Na madrugada de 19 de Julho, os militares foram surpreendidos pela resistência popular em Barcelona. Na semana anterior, depois que o governo se recusou a reconhecer a iminência de um golpe e a armar a população, o Sindicato de Trabalhadores em Transportes localizou e tomou posse de armas encontradas em navios estacionados no porto. Na noite do dia 18, já haviam patrulhas de trabalhadores circulando na cidade, em carros marcados com a sigla CNT-FAI. Carteiras sindicais eram usadas como salvo-conduto. Ao amanhecer os confrontos entre exército e trabalhadores já haviam começado, e o governo se recusava a fornecer armas a uma multidão que havia se aglomerado em frente ao palácio de governo. Finalmente, um dos guardas de assalto (policial) entregou sua arma a um trabalhador. Outros fizeram o mesmo.
Os combates duraram até a manhã do dia 20. Entretanto, o dia 19 fôra suficiente para desorganizar toda a hierarquia estatal. Com o governo hesitando e os militares rebeldes atacando, muitos soldados e guardas de assalto se juntaram aos trabalhadores para lutar a seu lado e impedir o golpe. Com a vitória do dia 20, parte do aparato policial estava derrotado (golpistas), e a outra parte já era indistingüível dos militantes revolucionários.
A Revolução
Durante os combates, clérigos participaram ativamente em favor dos militares golpistas, atirando nas pessoas do alto de suas igrejas. No dia 20, igrejas foram queimadas. De fato, até dinheiro foi queimado. Os ataques foram direcionados aos símbolos da antiga sociedade, que deveria ser substituída por outra, com outros valores. As "coletivizações" se universalizaram, e praticamente toda a economia de Barcelona caiu em mãos dos sindicatos. Restaurantes públicos, instalados nos hotéis para alimentar os combatentes durante a resistência ao golpe, permaneceram abertos ao povo. Os hospitais foram os primeiros a se autogerirem, seguidos das padarias, indústrias farmacêuticas, campo, indústrias metalúrgicas, companhias marítimas, estradas de ferro, bondes e ônibus. Conselhos operários foram organizados para coordenar tudo, de milícias a cabeleireiros.
O exemplo dos cabeleireiros ajuda a ilustrar o que estava ocorrendo na economia: antes da Revolução, haviam muitas barbearias pequenas, muitos desempregados, e os que estavam empregados trabalhavam longas horas por dia. Após terem tomado posse das barbearias, os cabeleireiros decidiram fechar várias delas, reduzindo a competição entre locais próximos. Além disso, todos os barbeiros foram admitidos, resultando na diminuição das horas de trabalho para cada indivíduo. Como o lucro deixou de ser subtraído pelo patrão, eles passaram a receber mais, e a poder reinvestir em seus instrumentos de trabalho, melhorando o atendimento.
Jimenez de la Beraza, um coronel de artilharia, assombrado com essas mudanças, teria dito: "De um ponto de vista militar existia um caos assustador, mas o que importava é que o caos funcionava", e teria aconselhado a não perturbá-lo, "porque ele encontraria seu próprio equilíbrio e organização em si próprio."
Milícias revolucionárias foram organizadas para avançar até Saragoça, que havia caído em mãos dos rebeldes, e estas também se organizaram em democracia direta. Elas foram formadas a partir de apelos públicos (ninguém foi obrigado); os "comandantes" (chamados de delegados) eram eleitos pelos próprios milicianos, e seu mandato poderia ser cancelado a qualquer momento, se estes perdessem a confiança de seus "subordinados". A disciplina era livremente aceita. "Nós o seguimos porque ele se comporta bem. Se ele mudasse, nós perderíamos o respeito e o deixaríamos". Para evitar a ociosidade, milicianos eram enviados para ajudar na colheita, quando não eram necessários no front. Isto também ajudava-os a criar vínculos com as populações que estava defendendo.
Homens e mulheres participaram das milícias, sem distinções de sexo. Mulheres passaram a freqüentar lugares públicos antes vedados a elas. Os hospitais passaram a fazer abortos. Mulheres começaram a ser treinadas para conduzir bondes.
No campo, as mundanças foram ainda mais evidentes: "Eles queimaram todos os santos. Deus foi jogado fora, e como Deus não existe mais, a assembléia decidiu substituir a palavra 'adeus' (adiós) por 'saúde' (salud). Na igreja nós instalamos a cooperativa de produtos agrícolas, e como tudo é coletivizado [gratuito], todo mundo usa a cooperativa." De fato, em várias localidades o dinheiro foi abolido ou substituído por cupons de consumo. O objetivo era tornar gratuito tudo que fosse possível, e racionar o que não fosse, de forma que ninguém pudesse, por exemplo, adquirir sapatos novos toda a semana, mas que tivesse acesso a um par novo quando precisasse. Essas mudanças eram decididas pelo próprio povo do lugar, jamais impostas de fora. Todas as correntes políticas participavam das assembléias nos vilarejos, e as funções eram delegadas de acordo com a conduta passada de cada um, não importando sua afiliação política anterior.
Morte da Revolução
As decisões do congresso da CNT em Saragoça, em 1936, recomendavam que a confederação sindical colaborasse com os outros partidos para derrotar o fascismo e realizar a Revolução. Enquanto alguns anarquistas, como Durruti, acreditavam que a Revolução fosse a única forma de derrotar o fascismo, outros, como García Oliver, colocaram a ênfase na colaboração. Formado no dia 20 de Julho, o Comitê de Milícias Antifascistas era um órgão colegiado que contava com representantes de todas as agremiações políticas e sindicais de importância na Espanha, e que de fato constituía um governo paralelo. Este comitê não seria capaz de impedir a Revolução, mas com o objetivo declarado de obter o apoio bélico das democracias burguesas ocidentais e da URSS, procurou não incentivá-la e mesmo freá-la. Por sua iniciativa, um exército regular foi treinado, e almejou-se substituir as milícias por este; armamentos ficaram cada vez mais escassos para as milícias; proibiu-se que mulheres participassem das milícias armadas; perseguições e assassinatos políticos ocorreram, principalmente contra o POUM, mas também contra anarquistas; e especialmente, evitou-se divulgar no exterior as mudanças que haviam ocorrido, para não assustar os governos estrangeiros.
Essa política não resultou em nenhum benefício prático. As potências ocidentais não apoiaram a república espanhola, e a URSS vendeu pouco armamento em troca do tesouro nacional e maior influência para o partido comunista espanhol, que era diminuto. Já os golpistas receberam armamento, conselheiros militares e até tropas alemãs e italianas. A guerra durou até 1 de Abril de 1939, e a Revolução foi esmagada militarmente.