No Brasil, tal como
em muitos outros países, existe uma longa história de luta social que antecede
o nascimento do capitalismo e a conseqüente formação da classe operária, a
criadora da prática organizativa que conhecemos por sindicalismo.
No passado outras
classes, grupos sociais e étnicos mantiveram uma luta de resistência contra a
exploração e a dominação a que estavam sujeitos. Nessas lutas já estava
presente o problema da autonomia e das estratégias a opor as classes dominantes,
apesar de que só o mundo moderno viria a desenvolver uma cultura onde
indivíduos e classes são reconhecidos como principais atores sociais.
Se for certo que
algumas dessas contradições e conflitos sociais já se manifestavam na época
pré-moderma, na América foi a chegada do homem branco, com sua cultura e
instituições trazidas da Europa, que introduziu formas de organização econômica
e social, que iriam gerar os crescentes conflitos sociais e de classes que se
foram agravando na transição do capitalismo mercantil para o capitalismo
industrial.
A chegada dos
portugueses ao Brasil, abriu entre nós esse ciclo de formação de uma economia
colonial ao serviço das metrópoles mercantis, seja de Portugal, de Espanha ou
mais tarde da Inglaterra. Uma economia baseada inicialmente no escambo, mas
logo organizada em torno dos latifúndios do açúcar e do café, que se somaria à
exploração mineral de ouro e diamantes. Uma produção calçada na mão de obra
escrava, índia e negra, dando a essa dominação e exploração, também um caráter
étnico.
A industrialização
brasileira ocorreria de forma lenta e precária, quer pela situação periférica
do país, quer pela absoluta sujeição da sua economia aos interesses exteriores.
As poucas oficinas e manufaturas existentes não chegavam sequer a suprir as
necessidades do pequeno mercado interno, vindo a quase totalidade dos produtos
da metrópole.
Esta situação só
começou a sofrer as primeiras alterações com a vinda do rei D. João VI para o
Rio de Janeiro em 1808, acompanhado de uma parte substancial da nobreza e
burocracia portuguesas, em fuga dos exércitos napoleônicos que haviam invadido
Portugal. A presença desta elite nobre impunha a criação de toda uma estrutura
administrativa, comercial e produtiva capaz de satisfazer, pelo menos em parte,
suas necessidades.
Multiplicaram-se,
então, as oficinas e manufaturas, desenvolveu-se o comércio, surgindo a própria
imprensa, que teria um importante papel na difusão primeiro das idéias liberais
e, mais tarde, socialistas. No entanto, essas transformações não chegaram a
criar uma dinâmica econômica mais vasta que apontasse a auto-suficiência, já
que o Brasil, tal como Portugal, estava sujeito às imposições imperiais
Inglesas que barravam o desenvolvimento comercial e industrial autônomo.
No século XIX, o
Brasil viu nascer às primeiras indústrias metalúrgicas e manufatureiras, como a
fabrica de ferro de Sorocaba (1801), a fabrica de armas de Minas (1811), a
indústria Mauá, em Niterói (1845). Em 1850 havia já cerca de 50 indústrias,
entre fábricas de tecidos, alimentação, metalurgia e produtos químicos.
Esta vagarosa
industrialização estendeu-se por todo o século XIX e só se começou a acelerar
já nas primeiras décadas do nosso século. A independência política do Brasil em
1822, o fim do tráfico de escravos em 1850, e abolição da escravatura em 1888,
junto com a acumulação gerada pela cafeicultura iriam possibilitar a lenta e
gradual modernização da sociedade brasileira, que transformaria a sociedade
rural e escravocrata em uma sociedade urbana industrial.
É neste processo
que se vai formando a classe operária brasileira, que nasce associada à
libertação dos escravos que constituíam já uma parte da mão-de-obra dos
estabelecimentos comerciais e das manufaturas, a que se somaram milhões de
imigrantes europeus, na sua maioria italianos, espanhóis e portugueses, além de
contingentes menores de alemães, russos, suíços e de outras nacionalidades.
Esses imigrantes
teriam uma importância determinante na introdução das idéias socialistas no
Brasil e na criação das primeiras associações de classe, já que muitos deles
eram experimentados militantes que tinham participado da agitação social em
seus países de origem e aqui chegavam fugindo da perseguição política ou da
miséria que na Europa ameaçavam os trabalhadores, principalmente aqueles que
tivessem participação ativa nas lutas sociais.
Qualquer análise do
movimento operário entre 1890 e 1935 terá de concluir que em condições
particularmente difíceis, de violenta repressão e com uma classe operária
numericamente fraca e inexperiente, conseguiram os trabalhadores
anarco-sindicalistas criar e desenvolver as organizações de resistência; travar
duras lutas pata impor direitos básicos como a liberdade de expressão e
organização dos trabalhadores, conseguindo vitórias expressivas no campo
econômico, como aumentos salariais, redução do horário de trabalho, maior
segurança, limitação do trabalho infantil, etc. Lutas que se estenderam à
carestia de vida, aumento de aluguéis, falsificação dos gêneros alimentícios,
contra o trabalho infantil, a favor de salários iguais para homens e mulheres e
pela construção de creches. Estas lutas custaram a muitos desses trabalhadores
a prisão, deportação e, até, a morte. Este sindicalismo revolucionário, que se
pautava pela auto-organização e autonomia, aplicou uma estratégia de ação
direta coletiva, impedindo a constituição de burocracias sindicais e a sujeição
das lutas operárias a qualquer interesse exterior aos trabalhadores.
Os sindicatos
anarco-sindicalistas desenvolveram também a propaganda anti-militarista e a
favor da paz, promoveram escolas livres nos sindicatos, organizaram debates
sistemáticos sobre temas como livre-pensamento, esperanto, alimentação
vegetariana, combate ao alcoolismo, a situação da mulher, além de outros sobre
temas científicos e literários. Realizaram festivais de solidariedade e
representações de teatro social, criaram centros de cultura , onde os
trabalhadores podiam confraternizar e se cultivar. Envolveram-se em campanhas
internacionais de solidariedade com a Revolução Mexicana, Russa e Espanhola,
contra o assassinato de Ferrer e de Sacco e Vanzetti, entre muitas outras
demonstrações de solidariedade e internacionalismo.
O sindicalismo
brasileiro desta época foi a materialização mais expressiva na nossa sociedade
da criação duma prática autônoma pelos trabalhadores, e de construção duma
cultura social alternativa no mundo operário, que afirmava acima de tudo os
valores que faziam os trabalhadores se contrapor ao capitalismo: a liberdade, a
igualdade e a solidariedade fundamentais para um socialismo que se queria
libertário.
Apesar disso o
anarco-sindicalismo também expressou limitações, umas resultantes das condições
econômicas e sociais do Brasil na época; outras da sua incapacidade de
contornar as dificuldades de penetrar nas regiões interiores do pais,
influenciar o campesinato e compreender algumas das especificidades da
sociedade brasileira, entre os as quais o fator étnico que sujeitava os
trabalhadores negros a uma maior exploração e dominação. Mas a mais expressiva
fraqueza desse movimento no Brasil - embora compreensível pelo tamanho do pais
e a conseqüente dificuldade de comunicação -, ao contrário do que ocorreu em
outros países, foi a impossibilidade de manter de forma acontinua uma
associação e coordenação confederal, que potencializasse a força coletiva do
movimento sindical brasileiro.
Poderíamos, no
entanto, dizer sobre a derrota nos anos 30 do anarco-sindicalismo que ele
falhou muito mais pelos desejos das classes dominantes do que por sua falta de
projeto social organizativo.
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